As investigações do esquema de fraude em atestados da Secretaria de Saúde ganhou novos contornos após a Operação Trackcare do Ministério Público (MPDFT) e da Polícia Civil, realizada nesta quinta-feira (8). Logo no início da manhã, investigadores cumpriram mandados de busca e apreensão em unidades médicas do DF. A assinatura e carimbos de, pelo menos, cinco médicos foram usados para falsificar atestados.
O alto índice de profissionais afastados do trabalho colocou em alerta a Corregedoria da pasta. Entre junho de 2015 e setembro de 2016, 53,7% dos servidores, em algum momento, afastaram-se do trabalho, como o Correio revelou na edição da última quarta-feira (6). Duas pessoas morreram num hospital público onde estavam escalados pelo menos três médicos. O caso é investigado em sigilo.
[SAIBAMAIS]Há indícios de que cerca de 40% dos médicos se ausentam dos afazeres nos hospitais públicos para atuar na rede privada. Assim, recebem os dois salários, mas trabalham efetivamente em apenas um local ; normalmente em clínicas particulares ou próprias.
Denúncia anônima
Segundo o promotor de Defesa da Saúde (Prosus) Luis Henrique Ishihara as investigações começaram após uma denúncia anônima. ;Precisamos da colaboração da população para nos fornecer mais informações;, explica. Nesta quinta-feira (8), os investidores apreenderam atestados médicos e registros de ponto.Os envolvidos no esquema usavam carimbos e assinaturas falsos para fraudar a folha de ponto. Além disso, roubavam medicamentos do Centro de Saúde N 38 do Guará. Os dois acusados se revezaram nos últimos dois anos na chefia da unidade médica. ;Eles chegaram a dar atestados de comparecimento um ao outro;, detalhou Ishihara.
Eles usaram até a assinatura e o carimbo de um médico que deixou a Secretaria de Saúde em 2001. ;Chama a atenção que não há registro de nenhum atendimento médico dessas duas pessoas. Tudo indica que ele usaram o nome de outros profissionais para o abonamento do ponto;, pondera Ishihara.
Um dos envolvidos na fraude sequer cumpria a cronograma de trabalho. Quando ele estava escalado para o Hospital Regional de Taguatinga (HRT), por exemplo, ele registrava a presença no Hospital de Base (HBDF).
O promotor de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), Maurício Miranda, fala em ;resgate de moralidade; da Secretaria de Saúde. ;Uma grande quantidade de profissionais se afasta por burla do sistema de saúde pública. Se todos os profissionais estivessem exercendo suas atividades não haveria essa sangria na rede pública;, explica.
Uma servidora registrou mais 400 horas extras em quatro meses. ;A falta de fiscalização e a certeza da impunidade leva os profissionais a cometerem fraudes como essa;, conclui Ishihara. Maurício emenda. ;Vamos ter que cobrar mais daqueles gestores que registram os atestados. Precisamos que protocolos sejam implantados para frear essa sangria. Não podemos permitir que esses crimes aconteçam. Queremos um efeito educativo dentro da administração pública;, completa.
Conivência passiva
Para o MPDFT, as chefias imediatas tiveram uma participação. ;As chefias que fazem o controle e o registro tiveram uma conivência passiva. Precisamos de denúncias para avançarmos nas investigações;, completa Miranda.Ishihara diz que a dimensão da fraude é tamanha que não há modo de recuperar a saúde pública da capital federal. "Com tantas fraudes nem que se dobrasse a quantidade de médicos seria suficiente para estabelecer bons serviços. Brasília poderia ter uma saúde pública muito melhor do que vemos hoje", critica.
Os envolvidos podem ser penalizados por seis crimes: peculato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, inserção de dados falsos em sistema de informações e associação criminosa.
As casas dos servidores, as salas onde trabalham e o setor de departamento pessoal do Centro de Saúde N 38 tiveram documentos apreendidos. Na operação, 22 policiais participam da investigação. "Há indícios de que a prática era reiteradamente cometida", pondera o titular Delegacia de Combate aos Crimes contra a Administração Pública, Alexandre Nicolau.