Dos amigos do Correio
A assinatura desta reportagem está diferente do que normalmente o leitor vê aqui nas páginas do Correio Braziliense. Não tem um nome, mas uma marca: a amizade. Ronaldo de Oliveira não foi apenas o fotógrafo que, por 21 anos, deixou as páginas deste jornal mais belas e mais importantes para Brasília. Para os leitores, ele contou, por meio de uma fotografia de rara qualidade, a história da capital. Mas, nos bastidores da notícia, ele foi um grande amigo. Amoroso, companheiro, brincalhão. Ninguém tinha o direito de estar triste ao seu lado. Sem esforço, lembramos quando ele enchia os armários dos colegas da foto de papel ou de pilhas usadas, sempre pregando peças, sempre semeando risos. Onde Ronaldo estava, não faltava gargalhada. ;Quero que ele seja lembrado pela alegria de viver e pelas inúmeras brincadeiras;, decreta Luzia Mendes, grande companheira de vida de Ronaldo, mãe de seus filhos, Bárbara, de 21 anos, e Ronaldinho, de 16. Assim será, Luzia.
Até porque não há quem tenha convivido com Ronaldão que não faça relatos semelhantes. Nascido em Belo Horizonte, filho de mãe solteira, de origem humilde, foi um batalhador e um entusiasta da vida. ;Estava sempre tentando ajudar, dando dicas de como se podia melhorar, fazendo graça com todo mundo;, lembra Joana Cabral, amiga pessoal e colega de trabalho. Para o editor de fotografia do Correio, Luís Tajes, a importância dele na Fotografia de Brasília é inquestionável. ;Mas não era apenas pelo talento e pela qualidade do trabalho, mas principalmente pela alegria que ele transmitia a todos que trabalhavam a seu lado.; Cláudio Versiani, ex-editor de fotografia do Correio e atual do jornal O Globo, também ressalta essa característica de Ronaldo. ;Um superfotógrafo, excelente profissional. Mas, mais do que isso, um ser humano fantástico, de coração enorme;, disse.
Se, por algum momento, Ronaldo demonstrou tristeza ao descobrir o câncer de intestino, tratou de confinar esse sentimento em algum quarto escuro da vida. A luz que deixou passar foi de esperança. Lutou bravamente até o final. Um dos amigos mais próximos, Josemar Gonçalves, editor de fotografia do Jornal de Brasília, esteve com ele há três semanas e testemunhou o guerreiro em cena. Parceiro de vida e de coberturas jornalísticas, Josemar o considerava um irmão. ;Eu o ensinei a revelar foto, em 1984. Na época, trabalhávamos no jornal Última Hora, aqui em Brasília. Ronaldo ainda era laboratorista. Depois, nós fizemos inúmeras coberturas juntos, ele no Correio e eu, no Jornal de Brasília, e ele sempre surpreendia todos os fotógrafos. Nós poderíamos estar no mesmo lugar, mas a foto dele era diferente, impressionava. Brasília perdeu um grande profissional da foto, mas também um grande ser humano, um cara que não tem explicação, um cara alegre, para cima.;
Aqui no Correio, sua casa de sempre, há uma redação como testemunha de seu caráter irretocável e de seu talento. Fotógrafos, colegas do apoio, motoristas, repórteres, ex-parceiros de trabalho e amigos se manifestaram nas redes sociais. Nos despedimos com a mensagem de Leonardo Meireles, editor de Esportes: ;Sua imagem valia mais do que mil palavras. Que o Senhor te receba e cuide de sua família;.
;A vida é um sopro, nada mais que um sopro... Ainda bem que temos muito fôlego! Hoje, nosso pai se desprende de um corpo que não acompanhava a grandeza de seu espírito. Hoje estamos separados fisicamente, mas nossos corações ainda estão unidos por um laço de amor que vem de outras vidas. Fique em paz, Naldão! Viva novas aventuras e seja sempre luz. Não tenho dúvida de que hoje terá guerra de travesseiro no céu! Hoje, seu sorriso vai iluminar outros lugares e, independentemente de onde esteja, continuará encantando e transformando a vida de todos que encontrar. Te amamos hoje e sempre.;
Bárbara e Ronaldo, seus filhos, e Luzia
;Repórter não escala o fotógrafo com quem vai para a rua executar uma pauta. Mas, nas redações, há alguns profissionais que todos querem ter como parceiros de reportagem. Ronaldo foi um desses caras. E não era só pela qualidade técnica e seriedade com que desempenhava o seu trabalho. Era pela sensibilidade ao tratar o entrevistado. Pelo companheirismo com repórteres novatos ou veteranos. Pelas gargalhadas. Pelos lanches nos butecos pés-sujos deste Distrito Federal e arredores. É porque ele se impunha quando era preciso se impor. E porque se curvava aos pitacos do ;dono da caneta; quando achava que podiam funcionar. Sério e debochado. Assim era Ronaldo. Aprendia-se com ele no exercício da profissão e com as histórias de vida com Luzia, Bárbara e Ronaldinho, que ele generosamente compartilhava. No começo de 2015, Ronaldo se dedicou, por quase dois meses, à série Maioridade da faixa de pesdestres, sobre os 18 anos da travessia sinalizada. Sem afobação, esperava a pessoa contar sua história enquanto desenhava na cabeça a foto perfeita.Pelo menos parecia que era assim. Na casa de Butitiere, se desculpou por arrastar o sofá para o corredor e pediu que ela se sentasse com o filho no colo. Depois de subir numa cadeira, ajoelhar e deitar-se no chão, achou o ângulo e a luz perfeitas. E quando dona Divina demonstrou constrangimento com as poucas posses ; sim, isso às vezes acontece ; Ronaldão conversou como se a conhecesse havia anos. Riu, falou alto, contou história e logo já era de casa.;
Adriana Bernardes
;Ronaldo de Oliveira foi um parceiro e tanto na cobertura jornalística. Sempre animado com as histórias da cidade, de bom humor, aliado nos desafios diários. Nunca reclamava de pautas que não davam em nada. Com o entusiamo desse profissional brilhante, consegui uma das minhas melhores reportagens, daquelas que não existem sem o registro do fotógrafo. Foi a história do jardim de sálvias que dona Marisa Letícia mandou instalar no Palácio da Alvorada no formato de uma estrela do PT. Num sobrevoo, ele registrou o que virou uma marca da apropriação petista de um espaço público. Foi em 2005. O país mudou muito de lá para cá. A imagem ficou. Mas o trabalho e o companheirismo de Ronaldo é que não poderei esquecer jamais."
Ana Maria Campos, colunista e editora
O corpo de Ronaldo será velado neste sábado, a partir das 16h30, na capela 3 do Cemitério Campo da Esperança, no Plano Piloro. Após o velório, às 7h de domingo (2/10), o corpo será cremado no Crematório Jardim Metropolitano.