Uma das votações mais polêmicas na Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Projeto de Lei n; 445/2015, que altera os limites de decibéis da Lei do Silêncio, só deve ir a plenário no fim de outubro. Essa é a expectativa do autor da proposta, deputado Ricardo Vale (PT), que aguarda o melhor momento para colocar o PL em votação. Inicialmente prevista para ocorrer em 30 de agosto, ela foi adiada por dois motivos: a espera da resposta do Grupo de Trabalho formado por órgãos do GDF para discutir o assunto e a crise política que atingiu a cúpula do Legislativo. Enquanto isso, músicos e donos de bares e restaurantes reclamam da falta de emprego e do fechamento de estabelecimentos no DF. Amanhã, músicos e produtores culturais fazem uma manifestação, a partir das 13h, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Entre as reivindicações, está a readequação dos níveis de decibéis e a votação da ADPF 183 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que trata da fiscalização da profissão.
A legislação atual determina que o volume em área mista com vocação comercial seja de, no máximo, 65 decibéis em ambientes externos, durante o dia, e de 55 decibéis, à noite. O PL propõe alteração para 75dB e 70dB, respectivamente. Do início do ano até 31 de agosto, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) recebeu 2.502 denúncias e realizou 346 autuações por poluição sonora. Em 2015, foram 2.060 queixas e 392 atuações. Do total, 314 estabelecimentos receberam advertência, 64 acabaram multados, 11 interditados parcialmente e três totalmente. Os valores variam de R$ 2 mil a R$ 20 mil.
A última audiência pública na Câmara sobre o projeto de lei ocorreu em 25 de agosto. Ricardo Vale articula colocar o PL em votação o quanto antes. ;O debate está mais do que avançado. Houve várias sugestões, e a maioria se convenceu da necessidade de alterar os limites da lei. Acredito que a base (do governo) deve estar só aguardando posicionamento para votar de forma mais tranquila.;
Um dos integrantes da liderança do Movimento pela Valorização do Músico, o cantor e gaitista Engels Espíritos ressalta que os atuais limites afetam quatro setores: os músicos, que não têm um local para apresentar shows; a população da cidade, que não encontra uma oferta variada de espaços para se divertir; os trabalhadores que atuam na noite cultural, que são demitidos após o fechamento de estabelecimentos; e a evasão de artistas da cidade. ;A gente não quer acabar com o sossego das pessoas, uma vez que as apresentações ocorrem só de quinta a sábado, durante duas horas. Brasília nas décadas de 1980, 1990 e 2000 era uma cidade muito mais tolerante, alegre e com acesso à vida cultural.;
Em nota, a Casa Civil informou que, neste momento, ;órgãos do governo estudam a melhor solução, no sentido de estabelecer uma boa convivência que atenda tanto aos anseios dos moradores quanto da classe artística, dos comerciantes e dos frequentadores dos estabelecimentos;.
Fechamento
Enquanto a polêmica se arrasta, bares e restaurantes espalhados pelo DF têm fechado as portas ou optado por restringir a música. Um dos motivos é, justamente, a Lei do Silêncio, válida desde 2012. Produtores culturais alegam que as regras não são sustentáveis para apresentação de músicos, instrumentistas e bandas. Sem som, empresários enfrentam baixo movimento. Estimativa feita pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar) aponta que, de janeiro de 2015 a agosto deste ano, 2,1 mil estabelecimentos encerraram as atividades ; do total, acredita o sindicato, 20% foi por causa da legislação. O Movimento pela Valorização do Músico aposta, porém, que o número seja quase o dobro. A entidade reforça que 4 mil estabelecimentos deixaram de funcionar no DF e Entorno, entre bares, restaurantes, casas de shows e cafés culturais.
O Pinella foi um dos notificados e multados. Proprietária do bar há cinco anos, Flávia Atteich, 38 anos, considera que a aplicação da lei é impraticável. O estabelecimento recebeu a primeira notificação em 2013 e, nos dois outros anos consecutivos, levou multa. Assim que enfrentou a primeira advertência, Flávia investiu em isolamento acústico. Em média, gastou R$ 30 mil e não teve retorno pelo investimento. ;Se um fiscal der três passos da minha caixa de som e quiser fazer a medição dali, ele pode. Mas será totalmente diferente se medir do prédio residencial. Só que, na primeira situação, sou multada.;
Vizinho do Pinella, Alonso José da Silva Filho,42, é dono do Pôr do Sol e acredita que o segredo para evitar problemas é a vigilância. Ele é dono do bar há 19 anos e nunca recebeu notificação ou multa. ;Aqui, não temos música, televisão, nada. E, sempre que algum cliente traz um instrumento musical, explico que essa quadra tem vários problemas com a Lei do Silêncio.; O Pôr do Sol, inclusive, tem uma placa pedindo para que as pessoas não levem instrumentos musicais.
A servidora pública aposentada Marlene Moraes Rego, 75, queixa-se do barulho feito pelos bares. Ela é voluntária de uma ONG, que funciona embaixo do Pinella. Marlene conta que é difícil fazer reuniões quando o estabelecimento está funcionando. ;Mesmo assim, a solução não é acabar com esses locais, mas sim tolerar e aprender a conviver;, acredita.
Na visão do presidente do Sindhobar, Jael Antônio da Silva, o fechamento dos estabelecimentos se deve a uma junção de fatores, a exemplo da crise econômica, mas, também, muito em razão dos limites da música. ;Qualquer barulho da rua já é superior a 55dB. Estamos chegando a uma coisa absurda, de restaurante que não tem nem música ser punido pelas conversas de clientes.;
A situação de multas é tão cansativa que o dono do Salada Cultural, que ficava na 716 Norte, desistiu do empreendimento. Sempre que ganhava alguma multa, o então proprietário, Sérgio Pedrosa, recorria e ganhava. Mas o processo se tornou recorrente. Por isso, o produtor cultural decidiu investir em outro negócio. ;A situação começou a criar um clima chato entre o bar e a comunidade. Preferi partir para outra.;
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