Luiz Calcagno, Adriana Bernardes
postado em 19/08/2016 07:45
A dor de cada um era a de todos. E todos queriam um basta. A denúncia do Correio Braziliense de que o trânsito de Brasília matava e feria tanto quanto as guerras pôs fim ao torpor que enebriava o Distrito Federal. Foi nesse clima que 25 mil pessoas ocuparam o Eixão na maior mobilização do país por mais segurança nas vias. Vestidos de branco, com flores e cartazes nas mãos, famosos e anônimos de todas as classes sociais pediram paz. A caminhada foi o ápice da indignação. A angústia era ainda maior porque faltavam respostas. Afinal, o que fazer para conter as tragédias nas vias?
Doutor em saúde pública e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte Lima conta que uma das primeiras ações foi a criação de um fórum na Universidade de Brasília (UnB), com mais de 80 participantes. ;Dali, saiu, entre outras, a proposta de respeito à faixa de pedestres;, relembra. O governo também reagiu e divulgou um pacote de medidas que incluía o controle de velocidade por meio de pardais e a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança (veja ilustração).
Os resultados apareceram logo no primeiro ano da campanha Paz no Trânsito, que completa neste mês 20 anos. Documentos do então diretor-geral do Detran, Luís Miúra, revelam queda de 27,13% nos óbitos em 1997, na comparação com 1996. Era o começo de um longo trabalho. Na série de reportagens ;A paz que não tem preço;, iniciada ontem, o Correio mostrou que, nos últimos 20 anos 4,1 mil mortes foram evitadas no período por causa da mobilização.
Ainda assim, a morte continua a rondar motoristas e pedestres. Algumas tragédias são emblemáticas. Caso do ciclista e estudante de biologia Pedro Davison, 25 anos. Há exatos 10 anos, em 19 de agosto de 2006, mesmo dia do aniversário de 8 anos da filha, Luísa Davison, ele morreu atropelado no Eixão. Começava ali a luta de mais uma família para que o assassinato do rapaz não ficasse impune.
Pedrinho, como era conhecido, pedalava pelo Eixão Sul, na altura da 213, quando foi atingido por um Marea prata. O contador Leonardo Luiz da Costa dirigia acima da velocidade, alcoolizado, com a CNH vencida e fugiu sem prestar socorro. Quatro anos mais tarde, Leonardo foi condenado por homicídio doloso com dolo eventual (quando o autor assume o risco de matar) a 6 anos de prisão no regime semiaberto. À época, ativistas consideraram a pena branda.
Luísa completa hoje 18 anos, e os avós ainda lutam para que o contador pague uma pensão para a jovem. ;Eu era muito nova quando tudo aconteceu. Sempre foi um assunto complicado. Os meus avós entraram na ONG Rodas da Paz e conseguiram transformar a nossa dor em conquistas para que outras pessoas não passem pelo que passamos;, conta Luísa.
Batalhas
A família de Pedro e Luísa luta, agora, pela criação do Dia Mundial do Ciclista, oficializada no Projeto de Lei n; 5.988, de 2016. A intenção é promover a educação e a cidadania no trânsito. Para a garota, as duas décadas que separam a Paz no Trânsito da campanha pela segurança do ciclista se conectam, assim como as histórias de todas as famílias em luto por causa da violência no asfalto.
Para Pérsio Davison, pai de Pedrinho, mencionar a Paz no Trânsito é falar em respeito ao cidadão. ;A campanha trouxe, por exemplo, o respeito à faixa de pedestres, que se estende à diversidade de mobilidade, na qual a bicicleta está inserida. E isso permanece. Tornou-se discurso de acesso à cidade no contexto da mobilidade;, afirma. A Paz no Trânsito foi o início. Deu visão ampla da realidade do conflito entre pedestres e motoristas;, diz Beth Davison, mãe de Pedrinho.
Uma bicicleta branca às margens do Eixão marca o local do acidente. Beth visita o monumento semanalmente e leva flores. Vez ou outra, surpreende-se ao encontrar um vaso novo, deixado por um desconhecido. Pérsio explica que não é um lugar de pesar, mas de paz. Um símbolo da luta da família e da sociedade. ;A morte do Pedro trouxe a consciência de que não era um acidente, mas a irresponsabilidade de um motorista. Algumas pessoas assumem conduta que pode causar a morte e, quando acontece, tornam-se assassinas. Não são fatalidades, mas escolhas. A punição é o respeito ao cidadão. A lei, um ato educativo que inibe aquele que se comporta de modo criminoso;, destaca o pai de Pedrinho.
"A morte do Pedro trouxe a consciência de que não era um acidente, mas a irresponsabilidade de um motorista. Algumas pessoas assumem conduta que pode causar a morte e, quando acontece, tornam-se assassinas. Não são fatalidades, mas escolhas. A punição é o respeito ao cidadão. A lei, um ato educativo que inibe aquele que se comporta de modo criminoso;
Pérsio Davison, pai de Pedro