Dezoito famílias lutam para liberar 40 ampolas de canabidiol que estão armazenadas há oito dias no Aeroporto de Viracopos, em São Paulo. Existe, contudo, um impasse entre a Receita Federal, cujos representantes alegam que ninguém foi até o terminal solicitar a encomenda; e os beneficiados, que informaram ter apresentado todos os documentos necessários para resgatar os remédios. Por conta do desentendimento entre as partes, iniciou-se uma verdadeira corrida contra o tempo em diversas cidades do país, inclusive em Brasília, onde uma pessoa tem direito a doses do medicamento.
Substância usada para aliviar crises epilépticas, de esclerose múltipla, câncer e dores neuropáticas, o canabidiol faz parte do tratamento de Benício, filho do médico Leandro Ramires, presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama%2bme). Parte do remédio que ficou em São Paulo é dele. ;Não sei mais o que fazer. Meu filho tem estoque para mais uma semana. E depois? Fizemos tudo o que foi solicitado, mas a Receita não libera as cargas e nem nos dá retorno;, contou.
[SAIBAMAIS] A possível falta do medicamento tem tirado o sono de Ramires, que já pediu ajuda a outras pessoas com parentes epiléticos para tentar conseguir um pouco de canabidiol. ;Eu tento ver se alguém pode emprestar. O remédio é muito caro, e, como você pode ver, não é fácil de conseguir. Hoje, posso dizer que meu filho corre risco de vida;, afirmou. Uma ampola chega a custar US$ 499 ; cerca de R$ 1,8 mil ; e dura apenas um mês.
Todas as caixas que estão no aeroporto foram doadas por uma empresa norte-americana, e, segundo a Receita Federal, chegaram ao Brasil via importação formal, quando o correto seria a remessa expressa. Para que os pacientes tenham acesso ao canabidiol, será necessário apresentar documentos como o atestado médico alegando a necessidade de uso. Leandro Ramires relatou que uma cópia dele está anexada, junto à autorização da Anvisa, às caixas do remédio paradas em São Paulo.
De acordo com o inspetor-chefe da Alfândega da Receita Federal em Viracopos, Antônio Leal, ;em um dia, o aeroporto recebe mil declarações de importação formal. Achar que um documento colado na caixa significa que a Receita sabe automaticamente quem são os donos é errado;, explicou. Para dar celeridade à liberação dos quase 6kg de remédios, Leal sugeriu que a Ama%2bme escolha um representante, reúna os comprovantes, e vá até o local buscar os remédios. Ainda segundo ele, até a última quinta-feira (21/7), às 15h41, ninguém havia requerido o canabidiol.
Abaixo, na íntegra, nota da Receita Federal enviada ao Correio nesta sexta-feira (22/7):
A RFB se solidariza com a situação das famílias com parentes que possuem doenças que necessitam de medicamentos importados e ressalta que trata a liberação de medicamentos de forma absolutamente prioritária e urgente.
A Receita Federal repudia as acusações feitas pela Associação de Pacientes de Cannabis Medicinal, via imprensa, de que o Órgão estaria retendo uma carga de canabidiol utilizado no tratamento de 18 pacientes de epilepsia.
A importação de Canabidiol, noticiada pela imprensa em 19 e 20 de julho, trata-se de uma carga contratada para entrega no aeroporto de Viracopos (Campinas-SP), e não no domicílio do importador, conforme seria mais prático e rápido, e como ocorre rotineiramente com as importações porta a porta, ou também chamadas de Remessa Expressa.
Apesar da escolha pela entrega no aeroporto, ninguém até esta data apareceu para pedir a liberação da mercadoria ou mesmo a remoção para outro recinto aduaneiro para armazenagem ou despacho aduaneiro.
A partir de notícias divulgadas de que o órgão estaria supostamente retendo a mercadoria, o Inspetor-Chefe da Alfândega do Aeroporto de Viracopos procurou a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal para verificar do que se tratava e orientar os interessados em como proceder. Foi então que ficou sabendo que se tratava de uma carga que, apesar de endereçada a uma pessoa apenas, correspondia às importações de 18 pacientes.
Com esta informação, pediu à entidade que lhe fosse enviada a documentação que reconhecia a esses pacientes a autorização à importação da substância controlada (que na condição de remédio faz jus à alíquota zero do imposto de importação no Regime de Tributação Simplificada). E se prontificou a apoiar a entidade para a liberação das mercadorias da forma mais simples e rápida possível. A entidade ficou de enviar a documentação, mas até esta data nada foi entregue à Receita Federal.
Portanto, cabe aqui destacar os seguintes esclarecimentos:
1- Qualquer processo de importação na Receita Federal começa com um pedido, chamado registro, feito pelo importador.
2- Nesse caso, não houve a apresentação de qualquer documento ou pedido de importação para a Receita Federal.
3- A Receita Federal tomou conhecimento da situação quando foi questionada pela imprensa, no dia 19/07, sobre a alegada retenção dos medicamentos.
4- Ainda no dia 19/07, o Inspetor-Chefer da Alfândega da Receita Federal em Viracopos efetuou contato telefônico com uma das diretoras da Associação.
5- Nesse telefonema, explicou-lhe detalhadamente o que seria necessário para liberar os medicamentos sem o pagamento de impostos.
6- Disse que cada paciente precisava comprovar a necessidade do medicamento por meio de receita médica.
7- A diretora da Associação reconheceu que os medicamentos foram remetidos erroneamente como se fossem destinados a uma única paciente.
8- O inspetor disse à diretora da Associação que bastaria que essa paciente ou seu representante mandasse documento para a Receita dizendo que a informação estava errada e dizendo a quantidade que seria destinada a cada criança. Que cada criança deveria ter receita médica conforme a quantidade de remédio que fosse destinada a ela.
9- Informou ainda que nem os pacientes nem seus pais precisariam se deslocar até Campinas, bastaria que alguém tivesse uma procuração para liberar os remédios em seus nomes. E que esse procurador poderia ser um só para todos os pacientes.
10- O inspetor disse à diretora da Associação que toda documentação poderia, dada à urgência do caso, ser encaminhada diretamente para seu endereço eletrônico.
11- A diretora da Associação agradeceu o atendimento e comprometeu-se a enviar imediatamente a documentação, mas não o fez.
Vale observar ainda que nos casos de produtos perecíveis, medicamentos, tecidos para transplantes e outras urgências médicas, a Receita Federal mantém naquele aeroporto serviço de plantão para liberação imediata e está à disposição dos interessados que fizerem prova de que tem direito à importação da substância para orientá-los e apoiá-los sobre o desembaraço aduaneiro de suas importações.
A Receita Federal se solidariza com a situação das famílias com parentes que possuem doenças que necessitam de medicamentos importados e ressalta que trata a liberação de medicamentos de forma absolutamente prioritária e urgente.