Jornal Correio Braziliense

Cidades

A maternidade como vocação: conheça histórias das mães sociais no DF

Muitas não têm filhos biológicos, mas, por conta da profissão, colecionam uma prole gigantesca



Bem antes de ter a vida modificada por sentimentos tão puros, ela vivia com o marido e dois filhos em Curimatá, pequeno município do Piauí. Veio para a capital há 27 anos, em busca de uma vida mais digna. Foi dona de casa e, enquanto pôde, lutou bravamente para que a família se mantivesse unida. Anos depois, separou-se e teve de ser pai e mãe. Cuidou dos filhos, ensinou sobre a vida e tentou prepará-los para os desafios que estariam por vir com a maturidade. Deu amor, carinho e atenção integrais. ;Mas estava desempregada e fiquei sabendo de uma vaga para limpar as dependências do abrigo. Fui chamada e, pouco tempo depois, comecei a atuar como mãe social;, lembra.

A piauiense levava jeito com criança e logo foi notada. Trabalhando com bebês de até 2 anos, dava remédios, trocava fraldas, levava ao médico e os alimentava um a um. Conhecia cada criança pelo nome e até mesmo pelo barulho estridente do choro manhoso. Sobre a fadiga, que é de se esperar na lida com seres tão pequenos e necessitados, ela desconversa. ;Para ser sincera, nem encarava isso aqui como um trabalho. Eu só queria pegar todo o carinho do mundo e distribuir para elas;, afirma.

Cuidando diariamente de meninos e meninas à espera de um novo lar, não há como se manter insensível. A lida é contínua e cada gesto de amor fortalece os laços entre as mães sociais e os pequenos. E, como não se manda em coração de mãe, o momento da adoção é um dos surpreendentes. Naquela hora, o espaço fica pequeno para tanto choro e alegria. É uma mistura de sentimentos, ainda mais quando a criança adotada estabeleceu lugar cativo no coração da cuidadora. ;A Bernadete é a paixão da minha vida. Ela foi adotada por uma família paulista e, hoje, tem 4 aninhos. Eu sempre falo com a mãe dela, mas a saudade dói;, destaca.

Não há como julgar tão sincera relação. A pequena Bernadete chegou ao Lar da Criança Padre Cícero logo depois de nascer. Fora rejeitada pela mãe biológica. Assim que entrou no abrigo, a recepção ficou por conta de Eneilde, com quem permaneceu até completar 1 ano e 6 meses ; idade com a qual foi adotada. ;Quando ela foi embora, eu quase morri de tanto chorar. É impossível não se apegar, mesmo sabendo que a adoção é algo maravilhoso;, frisa.

Ainda movida pela emoção de relembrar histórias como essa, ela dá a definição do que é ser mãe social. ;É um trabalho de pura doação, que exige uma responsabilidade grande. É se deixar mudar pelo amor de crianças que precisam de nós;, opina. Quanto ao número de crianças cuidadas, ela garante: é impossível contabilizar. Mas hoje, prestes a completar 60 anos de idade, ela ainda considera a possibilidade de retornar ao trabalho como mãe social. ;Não sei se ainda dou conta, mas não posso dizer que jamais voltarei;, vislumbra.
No mesmo abrigo, a jovem mãe social Maria das Graças da Costa, 26, distribui generosas porções de ternura por onde passa. Ingressou na profissão há apenas seis meses, mas já se diz completamente apaixonada. Fugindo do desemprego, deixou o Maranhão e desembarcou em Brasília no ano passado. Fez o teste, passou por três dias de experiência e foi aprovada. Não tem filhos, mora sozinha e garante: uma vez como mãe social, é difícil se desvencilhar. ;Até quando estou de folga, venho para cá como visitante. Como moro por perto, é só bater a saudade que eu volto;, garante Maria.

Durante a recém-iniciada trajetória profissional, cuidou de ao menos 30 bebês. Desses, sete já receberam um novo lar. ;Quando eles se vão, parece que estão tirando um pedacinho da gente. É pelo bem deles, mas deixa um buraco;, relata. Como uma típica mãe coruja, ela destaca os fatores que fazem desse serviço gratificante. ;Cada avanço deles é motivo de festa. A gente comemora os sorrisos e, especialmente, a saúde dessas crianças;, derrete-se. A maranhense, que tem planos de estudar bioquímica, faz questão de ressaltar que o trabalho não é difícil. ;Quando a gente trabalha com amor, todas as barreiras ficam pequenas. Aqui, não tem tristeza nem problemas, só felicidade;, assegura.

Aldeias infantis

Já em uma das Aldeias Infantis SOS Brasil, que fica na Asa Norte, o sistema de acolhimento é diferente. Lá, o abrigo consiste em uma espécie de condomínio. Cada mãe social fica responsável por uma casa e recebe, em média, nove crianças e jovens. Daí em diante, cada lar é gerido por uma mãe social, que também fica responsável por todos os cuidados relativos aos residentes. A pernambucana Humberta Viana dos Santos, 47, é uma dessas mães sociais. Mal sabia que a profissão existia, quando conseguiu uma oportunidade de emprego e a abraçou sem hesitar. ;Cheguei a Brasília em 1995 e conheci as aldeias por meio de um primo. Cinco dias depois, comecei a trabalhar;, conta.

Sem filhos biológicos, ela resolveu adotar Daniel, 18, que fica com o tio enquanto Humberta está trabalhando. Por intermédio da aldeia, cuidou dele desde os 8 meses e, em 2012, decidiu adotá-lo de papel passado. ;Nunca tive tempo para pensar em filhos biológicos. Mas, com o meu filho, houve um afeto especial, ainda mais porque ele tinha perdido a mãe biológica;, recorda-se. Para ela, ser mãe social é uma missão de vida. ;É um serviço de dedicação 24 horas por dia. Os desafios surgem a todo momento, até porque cada criança tem sua personalidade, mas a gente aprende a lidar;, expõe.

Rosineide da Silva, 47, é mãe social substituta. Sua função é cuidar das crianças nas férias, folgas e eventuais ausências das mães fixas. Satisfeita com a vida sem filhos, ela já foi vendedora ambulante e passou anos trabalhando com serviços gerais. Hoje, garante que a profissão escolhida vai muito além do que as pessoas possam imaginar. ;A gente faz muito mais do que cozinhar, lavar roupas e limpar a casa. Nós formamos cidadãos. Se esses garotos crescerem e se tornarem pessoas honestas, nós já estaremos muito felizes;, argumenta.

Informações e texto: Hariane Bittencourt