Gustavo (nome fictício) foi preso em 2008, quando tinha 23 anos por tráfico. À época, policiais o apreenderam com haxixe e drogas sintéticas. A restrição de liberdade não amedrontou o então produtor de eventos, que investiu para crescer o negócio ilegal. Aprimorou os truques do comércio criminoso e aprendeu a produzir a própria mercadoria. Manteve um laboratório de fabricação de óleo da maconha estruturado em um apartamento do primeiro andar na 308 Sul, quadra nobre e tombada de Brasília. Lá, morava com a avó cadeirante, de 88 anos, que nem imaginava as ações do neto nos outros cômodos. Ele estocava maconha e vários litros de álcool usados no processo para chegar ao óleo da planta. O produto é usado como essência de narguilé e com tabaco ou cigarro da droga para aumentar o potencial do THC.
O perfil de Gustavo é semelhante ao de outros traficantes do DF. Ele fazia a ponte entre a droga e a distribuição dela. Como diversos fornecedores, vive sem dificuldades, como classe média alta. O fim da história do rapaz também não se diferencia de várias outras. Em 1; de abril, a polícia descobriu o esquema de Gustavo, que conseguiu fugir. O comparsa, Rodrigo dos Santos Nunes, 39 anos, acabou preso, com mais de 140kg da droga. E vai virar estatística: do total de 14.600 internos do sistema penitenciário do DF, 4.727 estão detidos pelo crime de tráfico (32%). Desses, 638 estão em regime provisório, esperando o julgamento, e 489 já condenados.
Os perfis mapeados pela Coordenação de Repressão às Drogas no DF (Cord) mostram que os altos fornecedores são os barões do tráfico. Em geral, são pessoas de classe média alta, que mantêm o status de liderança de organizações criminosas. Lavam o dinheiro do comércio ilegal, compram terras e chegam a montar empresas que servem de fachada para a prática de outros crimes. Moram em Ceilândia e Sobradinho, e também no Park Way e em Águas Claras. Acumulam bens e poder. E quase sem encostar nas drogas. Ligados a eles, estão companheiras e ex-mulheres. Segundo o subsecretário do Sistema Penitenciário, delegado Anderson Espíndola, entre as mulheres que cumprem pena, mais de 50% são por tráfico. ;Muitas cometem o crime ao tentar entrar nas unidades masculinas com a droga a pedido do companheiro ou marido;, aponta.
Consumo
Além delas, os barões contam com os traficantes médios, que evitam a ostentação e criam raízes nos endereços de origem. E, em última instância, estão os ;varejistas; da ponta de rua. São três perfis que fazem do tráfico uma indústria rentável no DF e no Entorno. Eles fazem parte de uma organização que tornou o Brasil o maior consumidor mundial de crack e o segundo de cocaína no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Mas, segundo o coordenador da Cord, Rodrigo Bonach, o entorpecente que mais entra no país é a maconha, sendo 80% dela produzida no Paraguai. De acordo com a Polícia Federal, 95% da carga vêm de regiões de fronteira do país.
O promotor de Justiça de Entorpecentes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), José Theodoro Correa de Carvalho, acredita que só impedir a migração da carga não basta. ;Não é tentando fechar as fronteiras que se evita o tráfico. Nenhum país do mundo encontrou uma solução para isso e é uma ilusão pensar que a nacionalização da produção ou da comercialização, que o Uruguai fez, é positivo;, analisou.
Pontos estratégicos
Na capital, os cabeças do esquema se passam por empresários bem-sucedidos, relativamente discretos. Bem articulados, eles se utilizam de subordinados para fazer o trabalho sujo de transportar o material e fazer cobranças de dívidas. Usam, ainda, laranjas para lavar patrimônio e dinheiro de forma fraudulenta. Das cifras angariadas pelo comércio ilegal, compram casas, apartamentos e chácaras. Acima deles, estão apenas os intermediários que fazem a entrada da mercadoria produzida em países fronteiriços, como Paraguai, Bolívia e Colômbia. ;Ligadas ao tráfico, estão a lavagem de dinheiro, a abertura de contas em nome de terceiros e a aquisição de bens;, explicou o delegado da unidade especializada.
Em segunda instância, encontram-se os traficantes de médio porte, distribuídos em todas as regiões administrativas e no Plano Piloto. Atuam como intermediadores entre os poderosos e os de menor estrutura. Em alguns casos, abrem comércios pouco rentáveis, mas estratégicos para a venda ilícita. Na base do triângulo ficam os traficantes menores, sem grande potencial ou capacidade logística, mas com ostensividade nas ruas. São os que mais incomodam os moradores próximo aos locais de compra e venda. Com pouco a perder, eles adotam uma postura violenta. Segundo Bonach, os comerciantes da ponta são os que ficam mais expostos. ;Eles têm mais visibilidade, incomodam moradores e causam impacto local em relação ao grande traficante. É importante a repressão ao pequeno para evitar o crime em torno deles;, reforçou.
Um universitário de 22 anos, usuário de maconha desde os 19, falou com a reportagem, mas pediu para não ter o nome revelado. Segundo o estudante morador do Plano Piloto, o preço varia de onde se adquire. Segundo o jovem, no mercado da maconha há dois perfis: ;Nas regiões de Sobradinho e do Guará, por exemplo, não se vê a pessoa que comanda e não dá para saber se ela vive só disso, porque quem faz o intercâmbio entre o usuário e o traficante são os chamados ;aviãozinhos;. Em contrapartida, no Plano Piloto percebem-se funcionários públicos, que têm chácaras e plantam os orgânicos. Eles recebem o salário do trabalho e mantêm isso como um hobby.;.
Os graúdos
Veja quem são os traficantes de alta posição no DF atrás das grades e procurados pela polícia:
Wesley do Espírito Santo, conhecido como Macarrão, era responsável por 50% da droga que entrava no DF e distribuía para consumidores de Ceilândia. Foi condenado à maior pena da história da capital federal. Pela prática de tráfico interestadual de drogas e associação criminosa, o homem pegou 45 anos e 9 meses de prisão. Para mascarar as transações do dinheiro ilícito, ele utilizava contas de empresas de fachada. Foi preso em junho de 2013 e condenado em 2014.
Marcelo Gomes de Oliveira, conhecido como Zoio Verde, é um dos maiores traficantes do Goiás e do DF. Em maio de 2014, foi preso em uma casa no Park Way, após uma operação conjunta das polícias dos dois estados, que deteve outras 14 pessoas, mas está foragido. Na época, os policiais apreenderam na casa dele 200kg de pasta base de cocaína, uma pistola, uma carabina e uma submetralhadora MT 40 roubada da Polícia Militar do Piauí, além de munição para fuzil e R$ 70 mil. Era dono de um posto de combustíveis e tinha participação em uma casa de câmbio, que, segundo os investigadores, fornecia dólares para o esquema. É acusado pela Polícia Civil goiana de chefiar uma quadrilha que ostentava bens de luxo avaliados em R$ 80 milhões.
Luciano Costa Campos mantinha um esquema sofisticado para trazer o crack de Rondônia para o DF. Ele foi preso em novembro de 2015. Na operação, policiais apreenderam 170kg de crack: a maior da história do DF. Na época, estava em liberdade condicional, com patrimônio avaliado em R$ 2 milhões, como lotes. Em 1995, atuou em motim no Complexo Penitenciário da Papuda. O processo tramita na 1; Vara de Entorpecentes do Distrito Federal e Luciano ainda não foi condenado.
Paulo Florentino, vulgo Nego Paulo, é classificado pela polícia como ;escorregadio;. Foi preso no fim de 2015 e comandava o tráfico em grande escala. A especialidade era o crack. Ainda não foi condenado.
Cláudio Ferreira Paiva, conhecido como Cláudio Ceará, foi preso em junho de 2014. A principal região de atuação dele era no Núcleo Rural Lago Oeste, em Sobradinho. Policiais apreenderam 530kg de maconha. Era considerado um dos maiores traficantes de maconha no DF. Acabou condenado a 10 anos e 9 meses por tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Adelson Santos Gonçalves, o Adelson do Varjão, está atrás das grades desde dezembro de 2015, por tráfico de maconha, a especialidade dele. Adelson tinha passagem pela polícia e cumpria pena em regime semiaberto. Quando estava na cadeia, a ex-companheira dele assumiu papel de liderança do grupo. O processo tramita na 4; Vara de Entorpecentes do DF. Ainda não foi condenado.