Incluir uma criança ou adolescente no cadastro de adoção é uma medida extrema. Concluir que a reinserção familiar não será mais possível e esse é o único caminho não é simples. E, se mesmo após esse processo, restrito ao âmbito local e nacional, os meninos não encontrarem um novo lar, outra opção, ainda mais excepcional é dada. A adoção internacional. Uma trajetória que inclui além de um novo pai e uma mãe, um novo país. Das 96 crianças e adolescentes cadastrados para adoção no Distrito Federal, 60 constam também do banco de adoção de entidades estrangeiras da Itália, Espanha, Estados Unidos, Austrália, França e Alemanha.
De acordo com dados da Polícia Federal, das 27 unidades da Federação, 11 tiveram crianças adotadas no exterior em 2015. Entre elas, o DF, com saldo de quatro adoções, à frente de estados como Bahia (1), Pará (1) e Paraná (2). Levantamento da Comissão Distrital Judiciária de Adoção (CDJA) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) mostra que 534 pessoas estão habilitadas na Vara de Infância e Juventude do DF para adotação. A conta parece simples: já que existem mais pessoas para adotar do que crianças cadastradas, porém, os perfis estipulados pelas famílias brasileiras para a escolha de um filho são criteriosos. Normalmente, querem crianças brancas, pequenas e sem irmãos. Incluí-los no cadastro internacional é ampliar as chances de adoção.
;Para as famílias daqui, as crianças e adolescentes estão fora do perfil almejado. Mas as estrangeiras não têm critério quanto à etnia, por exemplo, são mais elásticos na questão da idade e, quase sempre, querem adotar um grupo de irmãos;, explica a psicóloga e secretária-executiva substituta do CDJA, Ana Carolina da Silva Gomes. Os italianos são os que mais adotam crianças brasileiras. Um dos motivos é a baixa taxa de fecundidade do país. Está no ranking das menores do mundo, com 1,4 filhos por mulher, de acordo com os dados do Banco Mundial. E foi, justamente, uma família italiana adotou o Gabriel, no fim do ano passado, aos 10 anos. Foi a última adoção internacional de criança brasileira finalizada no DF.
Satisfação
Gabriel foi para a casa de abrigo com cerca de 4 anos. A mãe tinha problemas de saúde e não conseguia oferecer os cuidados necessários para ele. A CDJA chegou a reinseri-lo, com um tio, em Minas Gerais, mas, tempos depois, foi constatados maus-tratos. Depois de ir para um novo abrigo e esgotarem as chances de reinclusão familiar, o menino foi incluído no cadastro internacional. Não demorou para uma família se encantar com o jeito gentil, amável e educado de Gabriel. ;Parece que a família foi escolhida a dedo. Ele tomava remédio controlado, e isso, inclusive, dificultou a adoção no Brasil, mas essa família foi muito atenciosa com ele desde o começo. O vínculo entre eles foi instantâneo. E hoje está superbem;, conta Ana Carolina.
As famílias estrangeiras precisam se habilitar no país de origem e procurar uma entidade reconhecida pelo governo brasileiro. É a associação que fará a mediação com a Justiça brasileira. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Leia O que diz a lei), a criança ficará no acolhimento por até dois anos, quando será haverá tentativa de reinserção familiar. Após esse prazo, começa o processo de destituição familiar ; trâmite burocrático necessário para iniciar o cadastramento na lista de adoção ;, com duração de cerca de 120 dias. Quando aparece uma família interessada, uma preparação é feita anteriormente com a criança ou o adolescente, para criar vínculos com a nova família e, em seguida, começa o período de convivência, que dura 30 dias (Veja Para saber mais). Segundo Ana Carolina, é possível terminar o processo burocrático até o último dia da convivência. ;A gente consegue a sentença de adoção nesse tempo e depois é providenciar o visto, certidão de nascimento nova e pronto. É um processo dispendioso. Precisa de muita disposição física e emocional também, mas, ao mesmo tempo, vemos que há muita satisfação;, explica.
A primeira adoção internacional de 2016 está em processo de preparação das crianças. Dois irmãos, um de 12 e outro de 3 anos, também vão morar na Itália. O pai das crianças faleceu e a mãe não estava conseguindo cuidar deles. No Brasil, a idade do mais velho dificultou a adoção. ;Esse casal só poderia, de acordo com as regras da entidade do país deles, adotar duas crianças. Alguns países também impõem a idade das crianças, mas, nesse caso, não tinha idade limite. Foi um verdadeiro encontro. A previsão é de que eles venham para a convivência em junho;, acrescenta.
Histórias viram livros
Além de uma nova casa, uma nova família e um futuro diferente em outro país, cada criança adotada ganha um livro de presente. A história é a vida deles. Tudo que aconteceu até o momento da adoção. O do Gabriel, As botas do Menino Anjo, foi lançado e entregue a ele em dezembro, ao fim do processo de adoção. O livro sobre os dois irmãos, Era uma vez... O recontar de uma história, será lançado no próximo dia 14, durante o seminário Adoção internacional: as diferentes leituras de uma mesma história.
Segundo o presidente da Comissão de Defesa da Criança, do Adolescente e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e membro da CDJA, Herbert Alencar, há o esforço por parte da OAB em acompanhar todo esse processo feito pela CDJA, na intenção de garantir que as leis sejam cumpridas e o processo de adoção seja legítimo. ;É um papel de guardião da lei para que se evite que essa adoção seja, por exemplo, um problema, em vez de uma solução. Cuidar para não contribuir para tráfico de órgãos ou uma exploração de crianças. O objetivo é proteger acima de tudo. Verificar se o casal atende os requisitos, se foi feito trabalho prévio, se é família, de fato, ver o histórico, vida pregressa, todo um trabalho que busca tranquilidade e finalidade legal do processo;, explica Hebert.
A comissão trabalha ainda para desenvolver projetos de lei em proteção a criança, divulgar o ECA, realizar palestras, orientar os membros do conselho tutelar do DF, além de prestar informações no combate a violência doméstica, abuso ou crime de pedofilia. ;Focamos na criação de projetos lei para que brechas jurídicas sejam fechadas garantindo proteção ampla e prioritária;, afirma o presidente.
Evento discute tema
A ideia do evento é apresentar e discutir informações teóricas e práticas acerca da adoção internacional ; além de desmistificar ideias sobre o assunto e disseminar a informações sobre o tema. O público-alvo são os profissionais que atuam nas entidades de acolhimento e na rede de atendimento à criança e ao adolescente do DF, os servidores da VIJ e os estudantes de psicologia, serviço social, pedagogia e direito, além de pessoas interessadas no assunto. O evento é gratuito e ocorre em 14 de abril, no auditório da Vara da Infância e da Juventude (VIJ), localizada na SGAN 909, das 13h30 às 18h.
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