Jornal Correio Braziliense

Cidades

Crise faz hospitais particulares fecharem serviços pediátricos

É cada vez mais difícil achar hospitais particulares com o setor e as UTIs para bebês e crianças em funcionamento no Plano Piloto. Representantes das unidades não se pronunciam oficialmente sobre o assunto

A oferta de atendimento médico a bebês e crianças deixou de ser uma atividade rentável e vários hospitais privados decidiram fechar unidades especializadas em assistência infantil. Encontrar vagas em UTIs e emergências pediátricas na rede particular do Distrito Federal é uma missão cada vez mais difícil para pais de pequenos pacientes. O problema preocupa entidades médicas, que temem a precarização dos serviços. Duas unidades de tratamento intensivo e um pronto-socorro infantil vão fechar as portas até maio. Outras encerraram as atividades ao longo dos últimos anos. Os hospitais que mantêm esse tipo de atendimento estão diminuindo o número de leitos para economizar. Os empresários preferem reservar espaço físico e profissionais para serviços de alta complexidade, muito mais lucrativos.

O Hospital Alvorada Brasília, na 910 Sul, fechou a UTI pediátrica no início do ano. Amanhã, o pronto-socorro também vai encerrar as atividades. O Hospital Santa Luzia, no Setor Hospitalar Sul, anunciou aos colaboradores que o serviço de UTI infantil findará em 9 de maio. A justificativa oficial é que houve uma fusão com o Hospital Santa Helena, na Asa Norte, e que os serviços infantis ficarão concentrados nesta unidade. O Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, já havia acabado com o atendimento de UTI pediátrica há mais de dois anos. Mas, como mantém emergência infantil, o serviço é frequentemente impactado pela falta de unidade de tratamento intensivo, sobretudo quando chegam crianças em estado delicado ou grave.

Impacto

O presidente da Sociedade de Pediatria do Distrito Federal, Christian Muller, diz que o fechamento de unidades é preocupante e trará grandes prejuízos aos pacientes. ;As vagas que temos hoje já são insuficientes. Se novas unidades fecharem as portas, a situação ficará crítica;, explica o presidente da entidade. ;Quem abre um hospital tem um papel social, não pode ter só a visão financeira. É preciso que haja uma contrapartida à sociedade que não seja só a busca pelo lucro. A gente espera que haja bom senso de todas as partes envolvidas e que sejam feitas negociações para resolver esse problema;, acrescenta Muller.

O presidente da Sociedade de Pediatria lembra ainda que o fechamento de UTIs tem impacto forte nas emergências. Quando um paciente chega ao pronto-socorro com a saúde frágil, um pediatra precisa deixar o atendimento na emergência para acompanhar a criança. ;Os pediatras acabam manejando pacientes graves e de risco em um ambiente sem suporte adequado. Não estamos falando de uma fábrica de parafusos. Estamos lidando com a saúde de crianças;, destaca.

O Hospital Santa Lúcia fechou a UTI pediátrica há cerca de dois anos e, desde então, mantém apenas os serviços da UTI neonatal, destinada a bebês de até 28 dias, além do pronto-socorro. ;É uma reação em cadeia: o fechamento da UTI pediátrica sobrecarrega a emergência;, conta um pediatra da unidade, que prefere não se identificar. O profissional lamenta o fechamento em série de unidades de atendimento de bebês e crianças. ;A população só cresce, mas o atendimento está sendo reduzido. Pediatria não dá lucro. Os empresários deixam bem claro que, para eles, esse serviço não é interessante;, acrescenta o médico.

Prejudicados

As crianças e os pais são os maiores prejudicados com a restrição do atendimento pediátrico. A bancária Geane Santos, 41 anos, é mãe da pequena Ana Júlia, de 2. Na semana passada, a menina teve uma virose forte, que causou a redução das plaquetas no sangue. Geane fez uma peregrinação por três hospitais particulares até conseguir atendimento emergencial. Mas, antes da consulta, elas esperaram por seis horas. ;Está cada vez mais difícil conseguir atendimento. É lamentável que os donos de hospitais só visem o lucro. A função primordial de um hospital é oferecer atendimento completo aos cidadãos;, comenta a bancária.

Diante do fechamento de pontos de atendimento de pediatria, a técnica em enfermagem Kênia Campos, 35 anos, mudou de plano de saúde para garantir uma assistência mais completa à filha, Ana Cecília, de 1 ano, que tem alergias alimentares. ;Conseguir atendimento de pediatria nos hospitais é um suplício. A saída é evitar ao máximo o pronto-socorro. Sempre que possível, tento resolver diretamente com o pediatra dela para não precisar ir a uma emergência;, conta Kênia.

Hospitais não respondem

O Correio procurou as diretorias dos hospitais Santa Lúcia, Santa Luzia e do Sindicato Brasiliense dos Hospitais Particulares, mas ninguém quis se pronunciar sobre o fechamento de unidades pediátricas. Em nota, o Hospital Alvorada Brasília informou que encerrará todas as atividades de pediatria a partir de 1; de abril, ;em função da escassez de profissionais especializados;. Os empresários do segmento não fornecem dados sobre número de leitos fechados e em funcionamento.

Um representante do setor conversou com a reportagem, com a condição de não se identificar, e alegou que os custos altos inviabilizam o funcionamento das UTIs destinadas a crianças. ;Temos que pagar o sobreaviso dos cirurgiões pediátricos, que custa mais de R$ 20 mil por profissional. Esse é um gasto que a operadora não cobre e que precisamos subsidiar, fora o pagamento pelos procedimentos. Esses profissionais não atendem pelos convênios e têm uma tabela própria, com honorários seis vezes superiores aos de mercado. O custo é muito alto e ficou insustentável;, alegou. ;O ônus do sobreaviso, a gente reconhece que pode ser nosso, está dentro da atividade-fim. Mas o custeio das cirurgias em valores seis vezes maiores do que os da tabela é algo que não podemos suportar. Por isso, a maioria das UTIs está fechando as portas;, acrescentou.

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