Quando o brasiliense disca 192, o chamado de urgência toca em uma sala cheia de computadores ; cada baia chega a ter três monitores. Nas paredes, há televisões de 60 polegadas. Uma delas projeta um mapa do Distrito Federal, no qual é possível localizar cada uma das 38 ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e saber se estão em atendimento ou disponíveis. Outra mostra a situação real dos hospitais do DF: quais as especialidades médicas de cada um, a quantidade de profissionais e se há leitos desocupados.
[SAIBAMAIS]O local é a Central de Regulação do Samu, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). Ela serve para agilizar, auxiliar e organizar o trabalho feito nas ruas. Por trás da estrutura, há profissionais como o médico Mário Sallenave, 41 anos, preocupados em agir o mais rápido possível em prol do paciente. Por meio da telemedicina, ele faz atendimentos por telefone e seleciona quais das mais de 100 ocorrências que atende por dia são graves o suficiente para necessitarem de ambulância. Há todo tipo de telefonema, de dor na perna e pressão alta a torção para pedir a ambulância e ir ao hospital: ;Tem quem ache que somos o SamUber;, diz. Além da quantidade limitada de veículos, cada ida do Samu a uma ocorrência custa R$ 2,5 mil.
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O gerente-geral do Samu, Marcel Ruperto, explica a complexidade em atender pacientes por telefone: ;O profissional tem de perceber se aquela necessidade do paciente é tão relevante para dispender um recurso em detrimento de um próximo telefonema, que, em 2 minutos, pode mudar toda a opinião dele;.
Na rua, os desafios continuam. Coordenadora do Núcleo de Atendimento Pré-Hospitalar do Plano Piloto, a enfermeira Vanessa Rocha da Silva, 35, lembra o episódio em que um profissional foi esfaqueado ao chegar a uma residência para assistir um paciente que sofria de um surto psicótico: ;É uma profissão de risco. A gente sabe que está chegando ao trabalho, mas não sabe como vai sair;.
Mas a dinâmica e a adrenalina diárias envolvidas no trabalho de salvar vidas motivam esses profissionais. O Correio acompanhou o atendimento de um motociclista que fraturou a tíbia ao colidir com um carro. Ele foi encaminhado em estado estável para o Hospital Regional de Taguatinga. Após o socorro ser bem-sucedido, a equipe comemora. Dentro das salas de regulação, ao saberem do resultado, o espírito é o mesmo. ;Quando conseguimos reverter um quadro grave, então, comemoramos como se fosse gol;, conta Mário.
Emoção ainda maior tomou conta do médico Flávio Bastos, 32, há quatro anos. No plantão de fim de semana, foi chamado para atender uma ocorrência na hora do almoço. A vítima presa nas ferragens do carro era a própria mãe, Isa Mariana de Andrade Bastos, 68. ;Estabilizei a cervical dela, fiz tudo o que a gente é treinado a fazer. Quando chegaram os bombeiros e a tiraram, andei para trás e a minha perna tremia. Falei: ;Agora não dou conta de atender mais;;, conta. Um colega assumiu o lugar de Flávio, que, naquele momento, deixou de lado o equilíbrio exigido pela profissão e mantido durante o socorro: ;Eu chorei, fiquei emocionado;, admite.
Saúde mental
O Samu do DF é o primeiro no Brasil a estruturar um Núcleo de Psicologia e Saúde Mental. Existente desde 2012, o departamento faz atendimentos externos e internos. Os nove servidores das áreas de psicologia, assistência social e psiquiatria cuidam de casos relacionados a emergências psicossociais e psiquiátricas, que vão desde surtos até situações de negligência. Segundo o serviço, cerca de 12,5% das assistências prestadas demandam esses profissionais, que atuam de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h.
A mesma estatística se aplica internamente. Com tantas demandas trágicas, 12,5% dos servidores do serviço apresentam algum transtorno mental. Atualmente, são 110 em tratamento psicológico ou psiquiátrico. Para minimizar impactos na saúde mental dos trabalhadores, a instituição lançará, no próximo mês, o programa Cuidando de quem cuida, que promete oferecer atividades como corrida, natação e passeios de bicicleta. Segundo o Samu, o número de abstenção ao trabalho tem aumentado e se tornado mais frequente recentemente. De acordo com a instituição, um dos fatores é o não pagamento de hora extra, que se arrasta desde setembro de 2015.
Segundo a Secretaria de Saúde, o pagamento de setembro ;depende ainda de questões administrativas;. A expectativa do órgão é que sejam solucionadas nas próximas semanas para, depois, poderem efetuar o pagamento. Outra carência do serviço é a quantidade de profissionais. Atualmente, há 960 distribuídos pelo DF. Mas, segundo o Samu, para atender toda a demanda, seriam necessárias mais 400 pessoas.