Jornal Correio Braziliense

Cidades

Valeu, Manza: 10 anos depois



Reza a tradição que este espaço deve ser preferencialmente ocupado por circunspectas análises de temas políticos, econômicos, sociais e afins. Peço licença a você para fugir à norma, mas estou emocionalmente compelida a tratar de um outro tema, que trisca o jornalismo, porém é de ordem maior, o das amizades. Especialmente, as construídas em redações de jornal (e, certamente, em outros ambientes de trabalho que nos exigem doses absurdas de tensão). Quero falar dos parceiros e parceiras de rotina alucinante de fechamentos das edições, das longas jornadas de plantões, de notícias quase sempre ruins. As relações são profundas, são intensas, são umbilicais. E por isso mesmo nos marcam para sempre.

Um dos mais queridos amigos se chama Mássimo Manzolillo, jornalista, cearense, torcedor do Fluminense ; talvez seu maior defeito, no que é perdoado por não ter conhecido antes o Santa Cruz, hoje um dos expoentes da primeira divisão do futebol brasileiro.

Esse meu amigo feiticeiro, poeta, arquiteto da vida, mestre dos mestres em fazer amizades, numa de nossas últimas conversas, no fimde outubro passado, numa cama de hospital, parecia estar no meio de uma redação. Esbravejou contra a falta de tesão dos fechadores de jornal, do desinteresse dos repórteres em farejar notícia, da pouca habilidade e generosidade dos editores para com seus subordinados. Falou sobre a edição de uma primeira página, um dos seus últimos ofícios em jornal. É preciso tesão, paixão, amor para editar uma capa de jornal, como de resto para editar a vida nossa de cada dia. Mássimo reclamou da nossa subordinação a temas sem apelo e sem emoção. De nosso descomprometimento, cada vez maior, com as causas de real interesse público. Da falta de discussão de temas que dizem respeito à coletividade, ao bem de todos, e não somente dos mais aquinhoados, daqueles que ocupam a parte de cima da pirâmide. Castigou os profetas da notícia institucional, dos que têm medo de inventar, dos que se assombram diante de um ato de ousadia. Mássimo sugeriu pautas, como se estivesse numa reunião de segunda-feira, dia em que as redações mais ou menos decidem os assuntos possíveis de serem planejados para a semana.

Conheci pessoas extraordinárias que me ensinaram a celebrar a vida. Como já disse outra vez aqui, meus três irmãos, minha mãe guerreira, meu querido pai, e os bons amigos que garimpei ao longo de 42 anos. Mássimo foi uma deles. Não, ele não foi vencido pelo câncer. Não ele. Com o legado que ele deixou, duas filhas lindas, uma legião de amigos inconsoláveis, uma coleção de textos para serem lidos e relidos por todos quantos apreciem a bela palavra escrita, por tudo isso e muito mais, Mássimo foi um vencedor na arte complicada de viver bem a vida.

Sexta-feira, na despedida dele, um amigo falou por todos na hora dos aplausos, ;Valeu, Manza;. Isso é o suficiente. Os que, por enquanto, ficam por aqui, vamos tentando fazer deste ofício que tanto amamos uma atividade que ajude a melhorar o mundo. Teremos, a partir de agora, a lembrança do bom humor, do deboche, do amor pelo jornalismo na sacada certa aos 45 minutos do segundo tempo, quando a página tem que baixar e seja o que Deus quiser.

Mássimo compunha, e ainda compõe, só que agora de um modo intangível, a invisível rede de proteção que amortece um pouco o peso que temos de carregar no embate sem descanso pelo direito de viver. Até que chegue a nossa vez. Aos que ficaram, meu respeito. A Mássimo, minha enorme saudade.

; Reprodução do texto publicado em 22 de janeiro de 2006.

PS: Paola e Marina farão uma homenagem ao pai, hoje, às 19h, na Igreja Nossa Senhora de Guadalupe EQS 111/112.