Jornal Correio Braziliense

Cidades

Site de compras é condenado a indenizar noiva do DF em R$ 5 mil

Desfecho, no entanto, é exceção. Em pelo menos quatro casos registrados nos últimos dois anos, as vítimas não conseguem reaver o que gastaram

 

 

A lembrança de um casamento está espalhada pela casa nova em forma de porta-retrato ou de presentes de padrinhos e madrinhas. Para outros, no entanto, acaba materializada em processos civis e criminais à espera de um desfecho. Nesta semana, a empresa Sociedade Comercial e Importadora Hermes, nome fantasia de Compra Fácil, foi condenada a indenizar em quase R$ 5 mil uma noiva que criou uma lista de presentes para o casamento no site em questão, mas não recebeu os utensílios presenteados. A decisão é da 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do DF e Territórios. E se mostra como uma exceção. Desde o ano passado, houve pelo menos quatro casos parecidos tendo noivas como vítimas (leia quadro).

Quem passou pela frustração antes ou durante a celebração do matrimônio jamais esquece. “O meu casamento tinha tudo para dar errado, mas, no fim, com a ajuda de amigos e familiares, deu certo. O golpe não foi dos funcionários, mas a responsabilidade era dele (dono da empresa). Eu o contratei, e ele não estava lá”, queixa-se a estudante de farmácia Layce Danielle Martins Stinghetti, 27 anos. Em junho, todos os garçons e o chefe do serviço de bufê contratados deixaram a festa para 160 convidados, alegando falta de pagamento. “Pelo ponto de vista financeiro, não acredito que vou ter retorno, mas a Justiça foi feita, pois ele (proprietário) perdeu clientes”, avalia.

Impunidade

A sensação de impunidade é recorrente entre os casais que viveram histórias semelhantes. Eles não acreditam que terão o dinheiro de volta ou que verão os responsáveis punidos criminalmente, como no caso do decorador Chrisanto Lopes Netto Galvão. Ele é acusado de estelionato e acumula 25 processos criminais, além de 16 ações na vara civil, incluindo direito do consumidor, prestação de serviços, rescisão de contrato e devolução do dinheiro. “A indignação foi de apelo internacional, mas é difícil acreditar na Justiça. O maior prejudicado, na verdade, foi ele mesmo, que fez mal para muita gente. A paz de consciência, ele nunca vai ter”, comenta a servidora pública Daniela Macedo Marques da Silveira, 31. “Longe (agora ela mora no Mato Grosso), fica difícil. Mas nunca vou esquecer o que aconteceu”, lamenta.

Dois meses antes de realizar o sonho do casamento, Daniela soube do sumiço de Netto Galvão. No caso dela, houve um contrato de decoração e recepção no valor de R$ 26 mil, à vista. “Tive de encontrar outra pessoa às pressas. Tive sorte, mesmo porque, em Brasília, você tem de pagar tudo à vista. Não acho isso certo. Teria de ser 50% antes e 50% depois. Você fica na mão da pessoa”, queixa-se. “Fiquei muito triste, porque nem todas as noivas prejudicadas por ele tinham condições de pagar outros profissionais”, complementa.

Em setembro do ano passado, o servidor público federal Gustavo Gonçalinho da Mota Gomes, 30 anos, e a mulher, Lais Raiane Miguel Amaral, 26, contrataram os serviços do empresário Francisco Coelho Bezerra, mas, após Lais ler relatos de noivas insatisfeitas em um grupo, o casal preferiu rescindir o documento. “Ela viu que algumas mulheres diziam que ele não estava indo aos casamentos. Mandava uma equipe que não sabia o roteiro, então, achamos melhor cancelar. Ele (Francisco) cobrou uma multa de 50% do valor pago, que eu sabia que não precisava pagar, mas, como não queria me estressar, achei melhor arcar com o custo. Depois, ele ficou de restituir o restante, mas não pagou. Sumiu e parou de responder e-mail e mensagem”, relata Gustavo.

O servidor acionou a Justiça, mas conta que o empresário não compareceu às audiências e às reuniões de conciliação. “Procurei, e ele não tem imóveis, carros ou outros bens no nome dele. Ainda não recebemos o valor, justamente por causa disso”, diz. Francisco também é acusado pela noiva e relações públicas Roberta Souza, 30, de não prestar serviços contratados no valor de R$ 10 mil em seu casamento, no começo de outubro. Ela afirma que ainda não entrou com processo, mas o fará entre janeiro e dezembro. “O que passei não tem dinheiro que pague. Agora, algo tem de ser feito para que ele não prejudique outras noivas, pois ele continua atendendo”, conclui.
“Perplexa”

O mercado de noivas em Brasília é cheio de opções e, ao mesmo tempo, instável. A auxiliar técnica Lais Maria Gomes de Oliveira, 20 anos, tinha como referência o nome Netto Galvão. Durante anos, viu as festas da família serem um sucesso, inclusive o próprio aniversário de 15 anos. Quando foi organizar o casamento com o bancário Felipe Bergmann, 28, ela não pensou duas vezes ao contratar os serviços do decorador. “Foi o primeiro contrato que fechei. Fiquei perplexa”, define.

No caso dela, como a cerimônia ainda não ocorreu, Lais teve tempo de se reorganizar, mas, a partir da experiência, ela mudou o comportamento. Agora, toda a empresa que conhece pede CNPJ, CPF, confere se há algum processo e faz um levantamento completo. “Quando vejo uma reclamação que seja, eu já desisto, porque cheguei a ver uma do Netto Galvão, mas desconsiderei. É um mercado que atrai muitos amadores e não foi afetado pela crise. Há muitos casamentos, mas existem empresas sem estrutura financeira e entrando de forma leviana”, alerta.

Caso a caso


Chrisanto Lopes etto Galvão
Em maio, o decorador de eventos Chrisanto Lopes Netto Galvão foi acusado por mais de 100 noivas de ter embolsado R$ 1,6 milhão e fugido com o dinheiro para a França. A história foi descoberta quando as noivas encontraram as portas da empresa dele fechadas. Em agosto, Netto Galvão apresentou-se à polícia. A delegada-chefe da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), Cláudia Alcântara, pediu a prisão preventiva dele, mas até agora o decorador continua em liberdade. “A gente se compadece com o sofrimento das vítimas, mas, infelizmente, enquanto delegada, o que eu podia fazer, eu fiz. Depende da Justiça condenar ou não”, comentou a investigadora. O Ministério Público ofereceu algumas denúncias e outros inquéritos seguem na delegacia para ouvir os envolvidos. “No entanto, o advogado do decorador não cumpriu com o acordo feito aqui e ainda não nos trouxe os documentos solicitados”, conta Cláudia. Segundo ela, durante o depoimento, Netto Galvão não disse onde estava o dinheiro, nem justificou a viagem. Norberto Soares Neto, um dos advogados do decorador, afirma que o cliente está em tratamento psiquiátrico. E argumenta que não houve estelionato. “Ele alega que alguns funcionários e até uma advogada se aproveitaram dessa situação de saúde dele e levaram a firma à falência”, explica. Quanto a não ter retornado à delegacia, o advogado aguarda a citação da Justiça. “Ele não está fugindo de responsabilidade alguma”, conclui. Na área civil, Netto Galvão foi citado duas vezes, mas não há decisão até o momento. “Vamos fazer o processo de falência da firma, além do levantamento dos bens, ativos e passivos e de ressarcir a quem for de direito”, comenta o outro advogado do decorador, Bruno Soares de Carvalho.

 

Francisco Coelho Bezerra
O empresário Francisco Coelho Bezerra contou que a noiva Roberta Souza firmou um contrato com a empresa News Cerimonial, da qual é dono, pelo serviço do cerimonial, no valor de R$ 1,5 mil. Como ela estava com dificuldades de arrumar a sonorização do evento, Francisco ofereceu o serviço da empresa da ex-mulher, que seria terceirizado. De acordo com os contratos apresentados pelo empresário, o total desembolsado por Roberta teria sido de R$ 3,4 mil — cerimonial, mais R$ 1,9 mil da sonorização. No dia do casamento, no entanto, o profissional contratado entrou em contato com Francisco e disse que não haveria possibilidade de honrar com o contrato. Segundo ele, isso nunca aconteceu em oito anos de empresa. Os serviços de cerimonial teriam sido todos prestados. A advogada de Francisco, Danielle Baldasso, informou que o cliente se apresentou à 2ª DP (Asa Norte). Para ela, não é caso de estelionato. A noiva, porém, disse que não foram apenas dois contratos firmados com Francisco. Além dos valores pagos por sonorização e cerimonial, Roberta contratou mais 25 pontos de luz e o palco. Para isso, pagou mais de R$ 1 mil. Ela contou também que, quando chegou à recepção, nenhum dos funcionários do cerimonial estava no local. Participaram apenas durante a cerimônia. Ainda segundo Roberta, ela desembolsou uma quantia extra para pagar funcionários que atuassem na festa como cerimonialistas, além de mais dinheiro para a banda tocar e trazer instrumentos de som e amplificadores. Tudo isso chegou a R$ 10 mil.

Luis Emiddio da Silva
Inicialmente, a noiva e estudante de farmácia Layce Danielle Martins Stringhetti, 27 anos, fez um acordo com o dono do bufê contratado, Luis Emiddio da Silva, que não entraria com um processo na Justiça caso o proprietário devolvesse o dinheiro do contrato. No entanto, Luis não cumpriu com o combinado. Em outubro, tiveram a primeira audiência, mas ele não foi encontrado. “Agora, temos alguns dias para conseguir um novo endereço para intimá-lo. Ele não tem nada no nome dele. O endereço que tinha no contrato era da casa da mãe. Os telefones, ele mudou todos. Pelos grupos de noivas, parece que ele se juntou com uma mulher e continua trabalhando. Isso que é mais triste”, conta Layce. A reportagem não localizou Luis Emiddio.

Marina Bolos e Doces

Depois de cerca de 20 anos atuando no mercado brasiliense, a Marina Bolos e Does fechou as portas e, até hoje, ninguém consegue explicar o que houve. As noivas que assinaram contrato com a proprietária, em 2014, ficaram sem um esclarecimento. Uma delas, que preferiu não se identificar, teve problemas 15 dias antes do casamento. Havia pago bolo, doces e a maquete. Tudo antecipado para obter desconto, mas ainda não obteve o dinheiro de volta. Segundo a Divisão de Comunicação da Polícia Civil, foram registradas quatro ocorrências: duas na 2ª DP (Asa Norte) e duas na 11ª DP (Núcleo Bandeirante. Todas seguem em apuração.

 

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