Diariamente, o poeta Ary Alves de Rezende, 81 anos, procura nos jornais a inspiração para os seus versos. As notícias que lhe chamam a atenção são recortadas, coladas aos textos que ele escreve e guardadas em diversas pastas, as quais ele chama de computadores do tempo antigo. ;Não dou certo com essas coisas. Acho que sou a única pessoa que conheço que não tem telefone celular;, brinca o pioneiro, que chegou a Brasília em 1960.
Ao ter o jornalismo como musa, seu entusiasmo não fica limitado. O aniversário de Brasília ou a foto de um singelo joão-de-barro: os dois têm a mesma capacidade de se tornarem versos. ;Sou uma pessoa que nasceu com a vontade de ser poeta, escrever rimado. Com a idade, como não tenho outra coisa a fazer, fico escrevendo, sempre baseado no que vejo.; Ele tem como grande ídolo o poeta cearense Patativa do Assaré, por enxergar nele a essência do povo, parecida com a sua. Ary nasceu em Minas Gerais, na cidade de Rio Paranaíba.
Durante a infância e a juventude, morou e trabalhou na roça ; passado que sempre está presente nas poesias que escreve sobre si mesmo. Ao desembarcar na capital, conseguiu um emprego de bilheteiro e foi com ele que comprou o primeiro bar, na Rodoviária do Plano Piloto. Chegou a ter oito, além de um hotel e fazendas. ;Eu vendi a primeira passagem do ônibus que inaugurou a Belém-Brasília;, garante, com a memória intacta quando se trata de lembrar suas primeiras décadas no Distrito Federal.
Hoje, vive da aposentadoria e do aluguel de dois imóveis. Apesar do palavreado fácil e da quantidade de histórias que tem para contar, Ary reforça em várias das suas composições o quanto gosta da solidão. Garante que sua grande companhia são os jornais. Com eles, fica no quarto e, caso não precise atender nenhum telefonema, chega a não usar nenhuma palavra falada durante todo o dia. ;Eu sempre gostei de ficar sozinho. Vivi assim por 40 anos. Hoje, estou com a minha mulher e tenho duas filhas.;
Os poemas são o refúgio de seu Ary e, neles, também faz questão de reforçar a origem interiorana. Não importa se seu português não é culto: ele se vale da licença poética na busca para conseguir expressar exatamente o que está sentindo, seja falando de um Natal que passou sozinho, seja das peripécias políticas de José Roberto Arruda ou de Joaquim Roriz. E, ainda que ache que jamais alguém se interessará pelo que escreve, guarda cuidadosamente todas as criações. ;Se eu não tiver um neto que goste de poemas, isso tudo vai para o lixo. Mas acho que existirão alguns, que vão rir de tanta bobagem;, desconversa.
O aparente despeito com algo que faz com tanto afinco reflete uma ironia na forma como ele espera morrer ; assunto que também é recorrente em seus versos. Ary garante que quer algo que o leve rápido, sem dores poéticas que tragam sofrimento. E já fez até mesmo o verso que define sua partida: ;Quando eu morrer, não quero choro. Quero uma cova bem funda, para não prejudicar minha coluna nem machucar minha bunda;.
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