Jornal Correio Braziliense

Cidades

Correio reúne histórias de quem perdeu familiares em acidentes de trânsito

As punições, consideradas brandas por quem tem de carregar o trauma, e as campanhas contribuem para diminuir as tragédias

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A cada feriado prolongado, os dados que envolvem vítimas de acidente de trânsito se renovam. As vidas tiradas pela imprudência se tornam números, essenciais para o desenvolvimento de políticas públicas e campanhas educativas, mas não dão conta do sofrimento de cada família que perde um ente querido nas pistas.



As punições, consideradas brandas por quem tem de carregar o trauma, e as campanhas contribuem para diminuir as tragédias. No comparativo entre janeiro e setembro de 2014 e 2015, o Distrito Federal registrou queda de 19% na quantidade de acidentes com morte.

É preciso reduzir ainda mais os índices, para evitar tragédias como a que faz a fotógrafa Vanessa Ottoni, 42 anos, chorar pelo filho Rodrigo, que morreu em 30 de setembro. E a que fez com que o professor Daniel Higino, 40, tomasse para si a luta pela defesa de um trânsito mais humano, quando perdeu o pai, atropelado por um veículo na contramão. Ou o acidente que fez a representante comercial Eliane Luiz da Costa, 47 anos, ter medo de subir novamente em uma bicicleta, depois que um veículo em alta velocidade tirou a vida do marido, ciclista.

Afinal, são essas histórias que dão rosto aos números. E só elas são capazes de ajudar a fazer com que todo motorista pense duas vezes antes de acelerar o veículo.

Filha ferida, filho morto
Dias após a morte do filho, Rodrigo Ottoni, a fotógrafa Vanessa Ottoni, 42, precisou cumprir uma obrigação profissional. Mesmo abalada pela tragédia, ela entendeu que era necessário executar a obrigação. Sem querer, passou pelo local onde um ônibus tirou a vida do jovem de 20 anos. ;Nem me dei conta de que passaria por lá. Mas, quando vi a placa amassada perto daquela árvore, passei muito mal e vomitei;, conta.

Rodrigo havia comprado uma moto há poucas semanas e seguia para a aula de engenharia civil, em uma faculdade particular da Asa Norte. Guiando pela faixa da direita do Eixo Monumental, ele buzinou freneticamente para o motorista do ônibus que fazia um movimento repetido: sair da Rodoviária do Plano Piloto sem esperar pelo fechamento do sinal de trânsito e cruzar as seis faixas para seguir em direção à W3 Norte.

O barulho não foi suficiente para chamar a atenção do condutor, e Rodrigo colidiu diretamente com uma placa ao tentar evitar a colisão. Menos de uma hora antes, ele tomou café da manhã com a mãe. ;Era raro eu vê-lo, pois ele saía muito cedo. Mas, naquele dia, tomamos café juntos e, quando ele ia saindo, fiz o que fazia todos os dias: pedi que fosse com cuidado;, lembra Vanessa. Ligações a cobrar constantes de um número desconhecido acenderam o alerta. Ao atender, uma voz feminina do outro lado tentava acalmá-la: seu filho tinha sofrido um acidente, mas só havia quebrado um braço. Mesmo abalada, tentou manter a calma.

Ao chegar ao Hospital de Base, encontrou a desconhecida aos prantos. ;Aquele fato, vindo de alguém que não conhecia o meu filho e que se dispôs a ajudá-lo, me fez ver que o acidente não foi só um braço quebrado;, explica. O desespero aumentou quando ela começou a ouvir o relato dos médicos. Entre explicações técnicas, eles disseram a frase que Vanessa não consegue tirar da cabeça: ;O seu filho é muito forte, mas ele não resistiu;.

O drama familiar chama ainda mais a atenção porque, um ano antes, a irmã de Rodrigo, a veterinária Luara Brasil da Cruz, 27, sofreu um acidente idêntico: no mesmo lugar, ela seguia com uma amiga quando foi surpreendida por um ônibus que cruzava as seis faixas do Eixo Monumental. Ela estava de carro e garante: só conseguiu sobreviver, pois havia feito um curso de direção defensiva. A jovem mandou uma carta para o Sindicato dos Rodoviários. ;Disse: ;Eu preciso que vocês tenham consciência do que estão fazendo. Vocês não são responsáveis apenas pela vida de quem está dentro do ônibus, mas de todos à sua volta. Tenho mais irmãos. Vocês querem saber quem são os outros para tentar de novo? Já que estão querendo atingir toda a minha família?;

Morte sobre duas rodas
A ração dos cães do aposentado Antônio Fonseca Lima nunca chegou. Em 29 de maio, ele havia saído de casa de bicicleta, algo que os 68 anos não o impediam de fazer quase diariamente. Na volta, um motorista em alta velocidade o atropelou. O vídeo de uma câmera de segurança captou tudo: a freagem, a batida, o condutor evadindo sem prestar socorro e a morte da vítima. A colisão aconteceu na QR 211/213 de Samambaia Norte. Até hoje, não se sabe quem matou Antônio.

;Isso pegou a todos nós de surpresa. Ele não estava doente, tinha saído normalmente e não voltou mais. Imagina o baque para todos;, afirma a filha, a agente administrativa Olga Siqueira Lima, 39. Ela lembra que, ao chegar em casa, recebeu a ligação sobre o acidente. Ainda tomou um banho rápido, pois, pelo telefonema, não desconfiava de nada grave. ;Só depois soube que ele faleceu no local.; Desde aquele momento, Olga quer identificar e encontrar o responsável pelo crime. ;Várias pessoas viram uma mulher em um carro preto, mas a única câmera não mostrou a placa. A sensação é de total impunidade. Nós queríamos uma resposta. Não é certo uma pessoa atropelar alguém e ir para casa como se nada tivesse acontecido;, lamenta.

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