Jornal Correio Braziliense

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A profissão de ascensorista é antiga e resiste ao tempo em alguns prédios

Simpatia, educação e paixão seguem juntas no ofício

A vida deles é um tal de sobe e desce, com poucos intervalos na hora em que a porta abre para olhar se tem mais alguém para entrar no elevador. Cada um do seu jeito, mas com uma simpatia sem tamanho, os ascensoristas resistem à modernização. Mesmo assim, não é fácil encontrá-los. Até em prédios antigos, como no Setor Comercial Sul, a profissão está quase extinta. Nos edifícios que ainda oferecem o serviço, a maioria dos funcionários é terceirizada.

Diante de um universo tão automático, qual a razão para manter um servidor apenas para apertar os botões das máquinas? O motivo é simples: está na falta que fazem quando há uma dúvida e não se sabe a quem pedir ajuda. “Bom dia! Qual o andar?” Independentemente do prédio, do público e da personalidade do funcionário, é assim que os ascensoristas recebem quem chega. As pessoas que entram distraídas com o celular, por exemplo, podem não vê-los e até atravessam o braço na frente do servidor. Mesmo assim, eles estão ali a postos.

Esses profissionais também são chamados de cabineiros, denominação que vem da cabine do elevador. Foi com esse termo que, em 1957, o então presidente Juscelino Kubitschek instituiu a Lei nº 3.270, que fixa em seis horas a jornada de trabalho da categoria — a carga horária é cumprida até hoje.

Brasília também teve um sindicato exclusivo para eles. No entanto, há alguns anos, o grupo se uniu ao Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário, Prestação de Serviços e Serviços Terceirizáveis (Sindiserviços-DF). O Correio encontrou alguns dos ascensoristas da cidade para conhecer as histórias deles e saber o que andam escutando nas cabines por aí.
 
 
“Quando eu tinha 15 anos, fui a uma feira em Ipu (CE) e uma cigana pediu para ler a minha mão. Ela me disse: ‘Filho, a sua vida vai ser um sobe e desce’”, conta, aos risos, Francisco Rodrigues Lima, 64 anos. Há 29, ele comanda as cabines de carga de um shopping na área central da cidade. Ali, é o Chico. “É bom demais ser querido das pessoas”, comenta. O sorriso e a simpatia são as marcas registradas do ascensorista. Qual é o segredo? “Sou rico”, responde. “Gosto de falar que sou um grande fazendeiro e, aqui, é apenas o meu escritório, onde faço os meus negócios. Tem até jatinho nas minhas terras”, complementa.

Ninguém duvida de que Francisco é importante. Na cabine de reuniões dele, até Sarney esteve. Ele também se apresenta como delegado de polícia “aposentado” e prefeito de Santa Maria, onde mora. Para cada amigo que entra no elevador, é uma história diferente. Para as mulheres, se coloca como “cravo das moças e querido das meninas”.

O cabineiro chegou a Brasília há 35 anos. Trabalhou na construção civil e, depois, com serviço de limpeza até assumir o comando dos botões no Setor Comercial Sul. Todos os dias, acorda às 4h30, enfrenta as dificuldades do transporte público da capital, chega ao shopping, coloca o uniforme azul, toma café com os colegas de trabalho, bate o ponto e assume o posto.  “Sempre gostei de conhecer pessoas diferentes e cada um tem algo para contar. Sou comunicativo e adoro fazer amizades”, afirma. “Aqui, temos de estar sempre sorrindo. É daqui que vivo, e a profissão deveria existir para gerar empregos. Com o dinheiro, formei uma filha, comprei a minha casa e a casa de cada um dos meus dois filhos”, orgulha-se.

“Hoje é quinta, véspera de sexta-feira”, anuncia Ana Maria Rodrigues de Carvalho, 54 anos. É dessa forma e com um sorriso simpático que ela recepciona a todos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “Temos de ver o lado bom da vida em tudo”, explica. Otimista e vaidosa são duas características que combinam com ela. Quem passar pelo TJDFT e der a sorte de embarcar na cabine da ascensorista será tratado com educação e cuidado.


Mesmo com o uniforme, Ana Maria encontra uma forma de imprimir a personalidade nas bijuterias e na maquiagem. “Foi a minha filha que me arrumou”, conta a mãe de Ellen Sthephany, Alessandra e Alexsandro. “Tento não pensar em coisas tristes, ainda mais aqui. Os problemas de casa e da vida têm de ficar lá fora”, conta. Isso porque, ao assumir o posto, Ana Maria precisa estar tranquila para fazer o que mais gosta: ajudar os outros.

Os elevadores do prédio onde trabalha informam o andar e quando a porta abre e fecha. Mesmo assim, a ascensorista faz questão de conversar com os passageiros. “O elevador não dá informação com tantos detalhes, como o andar de cada vara”, diferencia. No início, Ana Maria não tinha experiência na área, na qual atua há seis anos. Ela fez um curso no Conic e, depois, pegou o jeito no dia a dia do tribunal. “O segredo da profissão mistura simpatia, ser comunicativa, mesmo se a pessoa não falar com você, e humildade, não ter discriminação”, declara. Na cabine, ela precisou segurar o riso e interromper histórias. “A gente começa a contar um caso, mas nós não podemos terminar, pois a pessoa vai embora e vice-versa”, diz.

“Tem situação em que temos de ser cegos, mudos e surdos, pois, às vezes, a gente quer dar opinião e não pode”, comenta Rosirene Lopes de Sousa, 40 anos. Há um ano e dois meses, ela ouviu falar da profissão, mas nunca pensou em atuar na área. Como estava desempregada, resolveu tentar. Hoje, gosta muito do que faz. “Aqui, entra gente sorrindo, chorando, brigando, de tudo quanto é jeito. Mas o meu trabalho é aqui”, afirma, indicando para o painel com os botões de um dos elevadores do Hospital Universitário de Brasília (HUB), na Asa Norte.

Tímida, Rosirene é de poucas palavras. Mas cheia de sonhos. “Quero fazer psicologia. Gosto de tratar de gente. Acredito que me identifico com a profissão”, justifica. Apesar da vergonha, a cabineira afirma que, com o público, é mais desprendida. “Tem de gostar. Aqui, é bem variado. Atendemos desde crianças até idosos. Esse contato me engrandece, me sinto bem”, explica. Se saísse hoje para estudar, sem dúvidas a bagagem de aprendizado seria grande. “Aprendi a me colocar no lugar do outro. Fiquei mais humana”, declara.


Diariamente, Rosirene sai de casa para enfrentar uma realidade difícil. Às vezes, lida com a morte. “A gente cria vínculo com o paciente, tem certa intimidade”, completa. E, quando um vai embora, mesmo quando o motivo é a alta médica, fica a saudade. Por outro lado, para a cabineira, é complicado deixar as dificuldades da vida longe do posto. “É um esforço. Acaba que trazemos o problema para cá, ele continua, não tem jeito. Mas tem de saber a dosagem e ter sempre um jeitinho. No meu caso, recorro à oração”, confessa.