Jornal Correio Braziliense

Cidades

Há 40 anos em terreno, integrantes da etnia calon comemoram regularização

Eles vivem acampados próximo à DF-440, em Sobradinho, onde há 65 pessoas morando. Eles ainda lutam para conseguir viver com dignidade e longe do preconceito

Os panos floridos, usados como decoração, contrastam com a toalha de mesa branca do altar improvisado e os trajes claros do padre. A estrutura foi montada embaixo de uma tenda, com cadeiras de plástico acomodadas no chão de terra. O sol quente e o vento seco não parecem incomodar os convidados, ainda que homens vistam calças jeans, camisas vistosas e botas pesadas; e mulheres, coloridas saias até os pés. As famílias das duas crianças a serem batizadas vieram de Bela Vista, em Goiás, apenas para fazer a cerimônia no local. ;Significa tudo para mim, eu me sinto mais à vontade entre pessoas da mesma cultura que eu;, diz Shirlene Silva Rocha, 24 anos, madrinha do pequeno Ariel Ruã, que acabou de receber as bênçãos do padre. Para comemorar, um abundante almoço é oferecido aos presentes. Algumas das moças mais jovens dançam por perto, rodando as saias longas e movendo os braços com suavidade.

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Batizados são algumas das celebrações mais frequentes no acampamento da Associação Nacional das Etnias Ciganas (Anec), localizado ao lado do Condomínio Serra Verde, próximo à DF-440, em Sobradinho. Há cerca de dois meses, a comunidade conseguiu regularizar o terreno ocupado junto ao Governo do Distrito Federal, depois de 40 anos de luta. Ao todo, seis hectares foram cedidos, divididos com outro assentamento de ciganos próximo, o Núcleo Rural Córrego do Arrozal. Vítimas de preconceito há séculos, os moradores da área enxergam a doação das terras como um grande avanço em qualidade de vida e uma forma de ajudar a conservar as tradições. Eles reclamam, no entanto, das muitas carências ainda não superadas. Além de viver em barracos, os ciganos contam com serviços precários de água e eletricidade, não têm banheiros, o acesso à educação é escasso e faltam oportunidades de trabalho.

Cerca de 65 pessoas moram no acampamento da Anec. Roupas estendidas no cercado, cozinhas improvisadas e algumas hortas se espalham entre as tendas cinzas. A maioria dos ciganos trabalham como autônomos, muitos vendendo panos de prato e roupa de cama de porta em porta. Para manter viva a cultura da etnia, a maioria veste roupas típicas. Alguns homens, inclusive, têm dentes de ouro ou prata, visíveis enquanto conversam em chibe, dialeto próprio dos ciganos. ;Este lugar é um sonho, onde podemos viver de acordo com nossos costumes. Achei que nunca conseguiríamos algo assim;, diz um dos integrantes da comunidade, Arthur Prado da Silva, 58 anos. A mistura comum entre os brasileiros, porém, também é evidente. Um carro ao fundo toca sertanejo, enquanto moradores assam carnes numa churrasqueira. Entre os residentes do assentamento, há católicos, evangélicos e espíritas.
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