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[SAIBAMAIS]Um mergulho na escuridão. Pedalar à noite pelas ciclovias do Distrito Federal é uma aventura desmotivadora. O Correio percorreu mais de sete quilômetros, entre o Eixo Monumental e a 310 Norte, e constatou as dificuldades dos ciclistas depois das 19h ; sem iluminação e policiamento ; que tornam a volta do trabalho uma árdua experiência, mesmo em trechos onde as vias estão em bom estado, sem buracos e sinalização adequada durante o dia.
A presença de pessoas pedalando nas ciclovias é ainda mais rara, durante o dia ou à noite. Um dos vídeos produzidos pela reportagem, às 22h de uma segunda-feira, mostra a desocupação das ciclovias do Eixo Monumental, consideradas por usuários as mais cuidadas do Distrito Federal. O percurso começa no Setor de Indústrias Gráficas (SIG) e passa em frente ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), onde o caminho para ciclistas é bem iluminado. Mas, em seguida, o vídeo exibe a travessia (pela faixa de pedestre) de uma das pistas e o acesso a uma ciclovia escura e deserta do gramado entre as duas pistas do Eixo.
A escuridão causa insegurança nos usuários durante a volta para casa. ;Um dos riscos é a questão de assaltos. Melhorar a iluminação pública transmite segurança e o ciclista vê quem está passando. A chance de ser abordado é menor;, sugere a coordenadora geral da ONG Rodas da Paz, Renata Florentino. A organização luta contra a violência e o número de acidentes e mortes no trânsito.
Renata acrescenta outro fator que desestimula os ciclistas a trafegar nas vias a noite: o risco de atropelamento. ;Os motoristas de automóveis não são bem preparados para a diminuição da luminosidade neste período. Por isso, quem pedala fica com mais medo de ser vítima de acidente;, ressalta.
Problemas diurnos
Os desafios dos ciclistas à luz do dia não causam insegurança como as barreiras noturnas. No entanto, despertam impaciência em quem pedala. Por causa da descontinuidade das ciclovias e a constante presença de pessoas caminhando no espaço destinado às bikes, eles recorrem às pistas destinadas a veículos automotores. Cruzar uma pista sem descer da bike e passar pela faixa de pedestres, por exemplo, é impossível.
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De manhã, por volta das 10h30 de uma sexta-feira, o Correio percorreu outros sete quilômetros, entre a 310 Norte e o Eixo Monumental, na altura do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Durante o percurso, o ciclista não cruza com outras pessoas em bicicletas, somente pedestres. Ele também é obrigado a transitar por pistas, em meio a automóveis, calçadas em quadras comerciais e até mesmo o estacionamento do Estádio Mané Garrincha.
;Há muitas interseções e o ciclista tem de descer da bicicleta e parar para atravessar. Isso causa impaciência, principalmente, em quem pedala para ir ao trabalho ou escola;, explica Paulo Cesar Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em engenharia de tráfego. Ele acrescenta que as interrupções no trajeto das ciclovias motivam os donos de bicicletas a continuar transitando em meio aos automóveis. As interrupções no trajeto do ciclista, segundo Paulo Cesar, também evidenciam a política que dá preferência ao tráfego de veículos automotores.
O professor ressalta outra causa do desinteresse de ciclistas pelas vias destinadas a eles: a presença de pedestres. ;As ciclovias são projetadas, muitas vezes, em locais sombreados. Quem caminha não divide espaço com carros por questão de segurança e conforto e, por isso, prefere andar sobre o local adequado a quem pedala;, destaca. Paulo Cesar sugere a implantação de ciclofaixas, zona para ciclistas integrada ao trânsito de automóveis.
Gil Amaro da Silva, coordenador administrativo da Rodas da Paz, salienta a necessidade de criação e melhorias dos espaços destinados aos pedestres. ;Não se pode olhar só para o ciclista ou o motorista de carro, mas para o trânsito de todos. Se o pedestre anda na ciclovia, é porque não há local adequado para ele;, reforça.
Conversas iniciais
Em entrevista por telefone ao Correio, o subsecretário de políticas e projetos de mobilidade da Secretaria de Mobilidade (Semob-DF), José Góes, admite que construir ciclovias bem pavimentadas e com sinalização adequada não basta para atrair as bicicletas. Ele conta que a Semob produz levantamento sobre trechos desconexos das ciclovias. O objetivo é identificar locais onde há problemas e debater com grupos de ciclistas a respeito das soluções.
;É fundamental ouvirmos os ciclistas. Tivemos duas reuniões com eles neste ano e teremos outras após a finalização do estudo;, avisa José Góes. ;Também estudamos a possibilidade de criarmos rotas cicláveis, não somente por ciclovias, mas por caminhos que sejam viáveis a quem pedala;, acrescenta. O levantamento sobre a malha cicloviária do DF não tem previsão de conclusão. A Secretaria de Mobilidade se esquivou da responsabilidade por melhorias da iluminação e policiamento nas ciclovias.
Malha em crescimento
Apesar das desconexões e falta de segurança, a malha cicloviária do DF cresce a cada ano, ainda que a passos lentos. Em 2004, havia 5km de extensão. Oito anos depois, as pistas somavam 173 km e neste ano, o total é de 411 km, segundo dados da Semob-DF. Mas o tamanho das vias destinadas a ciclistas não é o suficiente para atraí-los e, assim, alcançar adesão comparável aos moldes mais eficientes do mundo.