Jornal Correio Braziliense

Cidades

Com portas fechadas, empreendedores abrem janelas para novos negócios

Criatividade e coragem para driblar a crise são características comuns a pessoas dispostas a tocar suas próprias fontes de renda

A limitação transformada em inspiração é ferramenta poderosa ao mundo dos pequenos negócios. Buscar um produto inexistente no comércio, querer ter a própria fonte de renda, ser seu próprio chefe e controlar os próprios lucros, ou até mesmo a tão falada "falta de oportunidade no mercado formal de trabalho". Impulsos como esses têm levado vários empreendedores a, diante de portas fechadas, abrir janelas e criar um espaço para os próprios negócios. O número de profissionais que trabalha por conta própria na capital cresceu 27,16% em dois anos, conforme os últimos dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).


Lucros no Lixão
Foi da dificuldade de conseguir emprego após sair da prisão, em 2006, que Fernando de Figueiredo, 43 anos, decidiu abrir, no ano seguinte, juntamente com outros egressos, a cooperativa com o sugestivo nome Sonho de Liberdade, na Cidade Estrutural.

Figueiredo cumpriu pena de seis anos na Papuda por assalto e roubo de carro. Na penitenciária, ele e os colegas aprenderam a técnica de fabricar bolas de futebol. ;Lá na prisão, firmamos o compromisso de um dia abrir uma cooperativa juntos;, recorda Fernando.

O empresário conta que trabalhou como jardineiro e pintor após sair do presídio, mas que ;ganhava pouco, trabalhava muito e sofria discriminação constantemente por ser ex-presidiário;, conta.

A ideia de abrir a cooperativa, então, tomou força. Figueiredo reencontrou os outros egressos, que enfrentavam a mesma dificuldade de se firmar no mercado de trabalho, e abriram a cooperativa. No início, os cooperados fabricavam bolas e as vendiam de porta em porta. Quando os lucros começaram a cair, ainda no primeiro ano da cooperativa, o empresário vislumbrou uma oportunidade na montanha de madeira que era deixada todos os dias por empresas da construção civil no Lixão da Estrutural. Logo, a reciclagem daquele material mandou as bolas para escanteio e se tornou o carro-chefe da cooperativa.

Com mais de 100 cooperados, o trabalho é dividido em setores, como separação da madeira, montagem e pintura. Fernando conta que a cooperativa chegou a faturar R$ 2,4 milhões até o fim do ano passado, quando, com o agravamento da crise econômica, as vendas voltaram a cair.

Ele diz que o atual cenário econômico do país influenciou a baixa nos rendimentos. Para Fernando, o desquecimento tem afetado também o poder de compra das companhias que adquirem produtos da cooperativa. "As empresas reduziram os pedidos e já não compram com tanta frequência", afirma. Hoje, a Sonho de Liberdade fatura entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por mês. Fernando diz que a queda nos rendimentos já levou alguns cooperados a pedirem demissão.

;É difícil ver cooperativas passando crise, mesmo no atual cenário econômico em que se encontra o país;, diz o diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem de Cooperativismo do Distrito Federal (Sescoop-DF), Roberto Marazi. Para ele, durante uma crise econômica, "a cooperativa que se sobressai é aquela que revê o seu negócio", completou.

Marazi alerta ainda que nos momentos de crise, o ideal é não fazer investimentos e aguardar até que o mercado volte a ser favorável a novos negócios.

A papinha inventada
Adriana Lannes, 36 anos, e a prima e sócia Mônica Lannes, 35 anos, são outro exemplo de criatividade que transformou um problema em invenção de mercado. Elas respondem, em Brasília, por uma franquia da loja Empório da Papinha, especializada em comida orgânica para crianças.



Antes de se dedicar inteiramente ao negócio, em 2013, Adriana era gerente em um órgão público. Grávida do filho Gael, foi pesquisar e não encontrou opções práticas e saudáveis para bebês. ;Sempre fui adepta de uma alimentação mais orgânica e não encontrava em Brasília comidas desse tipo para o público infantil;, diz.

Nessa busca por alimentos saudáveis sem adição de açúcar ou conservantes, Adriana conheceu a marca de papinha orgânica e decidiu investir. Para abrir a loja na Asa Norte, a empresária desembolsou R$ 160 mil. Com um lucro mensal de R$ 20 mil a R$ 30 mil, Adriana já tem planos de ampliar o negócio. ;Ainda este ano, a loja deve oferecer produtos para crianças a partir de seis anos e também para adultos;, conta.

Atualmente, a Empório da Papinha oferece aproximadamente 70 pratos como sopas, cremes, frutas individuais e combinadas. Adriana reforça que o diferencial da marca é que, após a produção, a comida passa por um processo chamado "ultracongelamento", assim, ;o alimento não perde nutrientes, mantém a cor, o sabor e a textura, sem aditivos, conservantes ou corantes;, explica. Além da loja no Plano Piloto, Adriana revende os alimentos para cinco estabelecimentos voltados para o público infantil na cidade.

O diretor superintendente do Sebrae no DF, Valdir Oliveira, acredita que as condições da população da capital encorajam os empreendedores. Com alto poder de consumo, ele classifica os clientes do DF como "privilegiados" por conta da renda per capita."No DF tem gente com renda para o consumo e isso atrai quem pensa em abrir um negócio aqui", acrescenta.

De empregada a empregadora
Em dez anos, o número de empregadoras no DF cresceu 64%, avanço bastante superior ao dos colegas homens (que marcaram tímidos 10%). Os dados mais recentes são do Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que tiveram como base a década entre 2002 e 2012. É o caso da produtora Noilde Maria de Jesus, 45 anos, que trabalhava para outros produtores rurais antes de ter um negócio próprio.



Mãe de nove filhos, Noilde conquistou este ano o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios com o trabalho e investimentos na chácara Renascer, em um assentamento em Brazlândia, onde cultiva hortaliças e morangos. Com um financiamento de R$ 5 mil do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Noilde levantou o próprio negócio, há seis anos, e hoje tem um lucro anual de aproximadamente R$ 24 mil.

;Eu trabalhava para outros produtores e tinha que deixar os meus filhos menores com a irmã mais velha. Ter o meu negócio me proporcionou liberdade. Além de estar mais próxima dos meus filhos, o lucro é meu;, comemora a produtora, que atualmente conta com a ajuda de um funcionário e dos dois filhos mais velhos.

Para ampliar as cifras, Noilde quer investir em manipulação de morangos para dar início à venda de polpa da fruta ainda este ano. Para isso, R$ 15 mil já foram investidos na plantação ; geralmente, o investimento anual no cultivo de morango é entre R$ 7 mil e R$ 10 mil. O próximo passo é a construção de um galpão e a contratação de outros dois funcionários.