Eles vestiram a camisa de Brasília e reativaram os ânimos dos candangos para passarem o carnaval na cidade. A cada ano, o calendário da folia ganha mais e mais blocos. E juntam-se àqueles que existem desde a década de 1970. A juventude renovou o que a velha guarda lutou para não deixar morrer: a festa nas ruas. Se antes os fundadores vinham de fora, agora não é raridade eles serem daqui. O que os une são o amor pela capital idealizada por Juscelino Kubitschek, a saudade de um carnaval como o do Nordeste e a vontade de colocar o DF no samba.
Em 2015, os foliões não podem reclamar da falta de opções carnavalescas. Ao todo, sem contar os dias repetidos, são 25 blocos. Só este ano, pelo menos dois vão estrear na avenida. Como o Correio anunciou, os foliões poderão curtir o Rejunta meu Bulcão e o Calango Careta pela primeira vez. Além deles, nomes como Babydoll de Nylon, Aparelhinho, Cafuçu do Cerrado, Agoniza, mas não morre e Biciclobloco já fazem parte do vocabulário carnavalesco dos brasilienses.
Nascido em 2011 e formado por amigos publicitários, o Babydoll de Nylon virou um caso de sucesso. Veio de uma ideia simples e de uma música que, na avaliação do grupo, era um bloco pronto. ;Estávamos na agência, na época do carnaval, quando começamos a escutar a música do Robertinho do Recife, gravada por Caetano Veloso. Surgiu de uma brincadeira. No primeiro ano, fomos com um carro de som para um local próximo ao Galinho para arrebanhar um pessoal que já ia para lá;, relembra David Murrad, 32 anos, um dos fundadores. Ele conta que no primeiro evento, criado em uma rede social, apenas 17 pessoas confirmaram a presença e cerca de 100 compareceram ao local e deram a volta no balão da 201 Sul.
Em 2015, o público mostrou que o Babydoll de Nylon se tornou um dos queridinhos dos brasilienses. Sem verba do GDF, o grupo arrecadou R$ 25 mil em uma campanha de financiamento coletivo. Os publicitários fazem parte de uma juventude brasiliense que transformou o que parecia brincadeira em folia de gente grande. ;Temos um orgulho muito grande, porque agora as pessoas têm opções no carnaval, ao contrário de quando começamos. O que queremos é fazer com que as pessoas queiram ficar aqui.;
Da alegria e da espontaneidade dos jovens surgiram muitos blocos de rua. Em 2012, amigas Luana Loschi e Thais Leal estavam em um folia de pré-carnaval, a música acabou e as duas começaram a arranhar umas letras no gogó. ;O povo ia chegando com tambor, chocalho, pandeiro e ia pedindo as músicas. Nesse momento, percebemos o quanto as pessoas eram sedentas por folia na capital;, explica Luana. Em 2014, o plano de criar um bloco saiu do papel e elas colocaram pela primeira vez nas ruas o Agoniza, mas não morre, nome inspirado em um samba do compositor Nelson Sargento. ;Também reflete o nosso estado de espírito. Sempre fomos animados, farreiros, sempre queremos curtir ao máximo a vida. Apesar das dificuldades, não deixamos a peteca cair. E é esse o estado de espírito que é característica do brasileiro, e que esperamos dos nossos foliões;, afirma Luana. As duas nasceram e foram criadas em Brasília. O pai de Thais foi um dos criadores do Clube do Choro e Luana sempre curtiu a folia, frequentando bailinhos e matinês.
Inquietação
Essa geração inquieta, que cria, inventa projetos e coloca Brasília no cenário cultural tem contribuído para dar uma nova cara à capital do país. Os jovens captaram a essência da cidade e transformaram isso em festa, como o iniciante Rejunta meu Bulcão, que se inspirou nas obras de Athos. ;Eu acho que alguns dos novos blocos buscam uma identidade com a cidade, uma forma de se reconhecerem brasilienses, encontrando temas e peculiaridades do viver em Brasília. Outros são motivados por temas referentes à cultura brasileira na atualidade;, comenta o artista plástico Luiz Oliviéri, 35 anos, um dos fundadores do Biciclobloco.
A motivação surgiu há três anos, quando um grupo de artistas convidou alguns amigos para ir ao Eixão do Lazer, programa típico do domingo candango. Mas, dessa vez, deveriam ir fantasiados. ;Nós já tínhamos as bicicletas com as caixas de som e a vontade de levá-las para o carnaval. Uns 15 amigos apareceram com bicicletas, skates e patins. A experiência foi muito gostosa;, relembra Luiz.
Som elétrico
Quem também trouxe o som elétrico para as ruas de Brasília foi o Aparelhinho. Criado pelo coletivo de DJs denominado Criolina, o bloco montou um aparelhinho elétrico. ;Não pode ser muito grande porque senão vira trio elétrico;, brinca Rodrigo Barata, um dos integrantes. Ao som de marchinhas de carnaval com um toque elétrico especial, o grupo quer incrementar a festa candanga.
Mas Brasília também é mistura e essa nova guarda da folia também tinha vontade de retomar aspectos da cultura brasileira, principalmente a nordestina. Em 2007, no centenário do frevo, o escritor, empresário e agitador cultural Renato Fino, 43 anos, e a então companheira Semíramis de Medeiros, 33 anos, fundaram o bloco Tesourinha, em homenagem ao estilo musical pernambucano. O nome faz referência a um passo do frevo, mas também não deixa de lado uma característica importante do Plano Piloto. ;Faço parte de um grupo que busca humanizar Brasília. Do fim dos anos 1990 para cá, sentia que isso estava se perdendo. A ideia de andar por uma quadra da cidade é ocupar uma área que é das pessoas;, comenta Renato.
E tem mais nordestinos na festa. Quatro amigos que vieram de João Pessoa pequenos decidiram colocar nas ruas o Cafuçu do Cerrado. A ideia surgiu despretensiosamente em uma conversa no bar. As referências sempre foram a capital paraibana e a efervescência da região. Para nomear a brincadeira, buscaram um vocabulário tipicamente nordestino. ;Cafuçu é a pessoa que se esforça para se arrumar e continua feia;, explica Lucas Alexandre Formiga Dantas, 31. Com cores fortes e extravagantes, Lucas e os amigos retomaram o espírito do carnaval de João Pessoa.