Apenas quatro anos depois da inauguração, Brasília, ainda com prédios em construção, tornou-se o centro de um golpe militar. Em 1; de abril de 1964, as Forças Armadas derrubaram o governo do então presidente João Goulart. A cidade era sede oficial dessa instituição, da Polícia Federal e outros órgãos de segurança. Todos os comandos hierárquicos passavam por aqui. Além disso, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, estados apoiadores do movimento, enviaram tropas para o Distrito Federal. A região se tornou, então, uma das mais policiadas do país, sendo o Pelotão de Investigações Criminais (PIC), do Exército, , no Setor Militar Urbano (SMU), um dos locais com mais relatos de torturas.
Daniel Faria, professor da UnB e integrante da Comissão da Verdade Anísio Teixeira da UnB (leia Para saber mais), explica que há uma diferença na conceitualização de tortura. ;Violência acontecia até nas delegacias. Mas existe a que envolve um aparato técnico, com apoio médico, institucional e sistematizada, com troca de conhecimento entre os órgãos;, detalha. Em Brasília, o palco desse tipo de tortura era o PIC, para onde eram levados também presos de Goiás. No local, há relatos de técnicas variadas, como uso de baratas em órgãos sexuais femininos, pau-de-arara, além da tortura psicológica.
Depois de 15 dias, a tortura para Cláudio acabou. Ele foi liberado após um mês, mas com a promessa dos militares de que o encontrariam e o prenderiam novamente. Por isso, passou um tempo fugindo. Na volta a Brasília, recebeu um recado do amigo de prisão. Honestino já estava na clandestinidade e marcou um encontro no Instituto Central de Ciências (ICC) da UnB, ainda em obras. Cláudio foi levado até lá encapuzado, para não expor o líder estudantil. ;Ele me contou que sairia da cidade. Perguntou para mim o que eu faria. Respondi que não tinha mais estrutura para continuar. Eu era um pequeno-burguês e minha família sofrera muito com minha prisão;, relata. Os dois abraçaram e se despediram.
Depoimento
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;Durante a hora da aula da UnB, em 9 de abril de 1964, a Polícia Militar chegou e desceu uma tropa e, pouco depois, saiu uma lista de chamados à reitoria. Estávamos em um dia normal no prédio do Dois Candangos. De repente, vi soldados rastejando pelos jardins como se fossem fuzileiros navais tomando uma praia. Fomos levados em um ônibus para o Teatro Nacional. Lá, funcionava o Comando de Operações da PM de Minas Gerais, que viera para cá. O teatro estava em obras. Ficamos em um vão. O mais preocupante era não saber de coisa alguma. A invasão da UnB foi apenas oito dias depois do golpe. Nós seríamos levados a um quartel. O momento mais desagradável desse dia foi a saída do teatro. Os soldados criaram um tipo de um corredor polonês e ficaram debochando e provocando. Eu fiquei pouco tempo, pois era promotor (além de professor da UnB) e meus colegas intervieram. Logo fui liberado do quartel. Mas o problema veio à noite, quando vimos a prisão de deputados e desembargadores, autoridades importantes. Aí soubemos do Ato Institucional n; 1, que retirava direitos políticos de opositores ao regime e permitia a prisão deles. Era o início da ditadura.;
José Paulo Sepúlveda Pertence, 75 anos, foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na UnB, atuou como instrutor desde a fundação, em 1962, até fim de 1965, quando foi um dos professores demitidos na grande crise da universidade
Investigação em curso
Os depoimentos de vítimas e testemunhas da ditadura na Comissão de Memória e Verdade Anísio Teixeira da UnB tiveram início em 21 de maio deste ano. Assim como a Comissão Nacional da Verdade (CNV), a da Universidade de Brasília remonta ao período militar, mas o foco são as perseguições e os abusos sofridos por alunos, professores e funcionários da instituição. O grupo de trabalho também se dedica aos casos de desaparecimento, como o do estudante de geologia Honestino Guimarães, e de mortes em circunstâncias obscuras, por exemplo, a de Anísio Teixeira. Nos anos 1950, ele dirigiu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) e, em 1961, idealizou a UnB com Darcy Ribeiro.