Jornal Correio Braziliense

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À margem das partituras, garoto quase cego se encanta com o violino

Dedilhado há pouco tempo durante as aulas em uma escola pública do Gama. Sem ler braile, ele se ampara na audição e na memória musical



Luan, por exemplo, havia se arriscado nas seis cordas, sem muito êxito. Por isso, a relação com o novo objeto musical começou sem pretensão nem futuro. Após o convite do professor de música Thiago Francis, o menino, curioso, compareceu a um dos ensaios na escola. ;Ele poderia ter escolhido qualquer instrumento, mas logo tomou um violino nas mãos e se propôs o desafio;, contou o mestre.

Coordenação

Segurar o arco na posição correta ainda é complicado para o garoto franzino. Ele mesmo admite. ;É preciso muita flexibilidade. Não é fácil. Mas sei que as aulas me ajudam a melhorar a coordenação. Já estou me acostumando e quero me aperfeiçoar;, planejou Luan. A visão, embora não seja essencial para um músico, é um facilitador importante, como lembra o professor Thiago. ;Para executar a música, é necessária a leitura da partitura, e ela fica comprometida nesse caso. Ainda não fiz a adaptação para ele, mas pretendo aumentar as letras;, adiantou. O braile não chega a ser uma opção, pois Luan não domina essa linguagem.

Esperto, o jovem muitas vezes surpreende pela forma culta de se expressar e pelas frases inesperadas para a pouca idade. Após o contato com o violino, Luan revelou ter construído um novo sonho. ;Quero ser um grande empresário da música. Quem sabe até abrir uma escola?;, imaginou. ;Antes, eu não tinha qualquer acesso a esse universo clássico. Não o conhecia, mas gostei muito do violino. O som é diferenciado;, emendou.

O desejo dele se mistura à vontade de outros alunos do CEF 11 da mesma faixa etária ; 12 anos ;, que idealizam seguir carreira profissional. É o caso de Pedro Henrique Galvão, um apaixonado por rock e que descobriu Beethoven nas aulas; e de Giuliana Holanda, que pediu à mãe para economizar a fim de comprar-lhe um violino. Matheus Lima e Rubens Moura almejam o mesmo. O primeiro tem dificuldades para tocar, mas treina sozinho para chegar ao nível dos colegas, enquanto o segundo tira letras de ouvido e quer ser professor de violino.

Orquestra

O diretor da instituição, Luiz Antônio Fermiano, é outro apaixonado pela música. Ele toca violão por diversão, mas alimenta a ideia de montar a primeira orquestra sinfônica em escola pública do DF. Para isso, falta incorporar aulas de coral à grade escolar e adquirir novos instrumentos. ;Faltam recursos. Principalmente, os de sopro têm custo muito elevado, chegando a R$ 4 mil cada um. Temos vários (instrumentos) fornecidos pela Secretaria de Educação, mas não são suficientes para o que estamos nos propondo;, elucidou.

Os objetos disponíveis não podem ser levados para o treinamento em casa. Luan ainda vê distante a simples possibilidade de ter violino próprio. A família humilde, segundo ele, dá pouca importância para o fato de ele tocar violino. ;Eles acham normal. Não entendem muito bem. É como o vento, que vai e vem;, comparou. Na narrativa do garoto, três irmãos mais novos, a mãe e um amigo dividem dois barracos com poucos recursos. Todos são sustentados pelo salário mínimo da prematura aposentadoria do garoto. ;Seria um luxo comprar um violino. Temos sempre arroz e feijão na mesa, mas, às vezes, falta o pão;, relatou.

Enquanto o sonho é apenas delineado (veja Para ajudar), um dos únicos passatempos do garoto é a televisão ; aparelho o qual mal enxerga, a não ser quando se senta bem próximo a ele. ;Não tenho internet e, como não gosto de ficar na rua, sei de cor toda a programação dos canais;, detalhou, citando o nome de cada um de acordo com o horário de transmissão. Se tivesse um violino, Luan garante que trocaria o lazer pela tarefa de dominar as cordas. ;Seria mais uma forma de me entreter e também poder treinar;, observou.

Participação

Desde 1999, o Centro de Ensino Fundamental (CEF) 11 possui uma banda marcial. No feriado de 7 de Setembro, 12 alunos integrarão o grupo musical do DF durante as apresentações cívicas.

Para ajudar
Os interessados em colaborar para que Luan tenha o próprio violino e uma televisão de tela grande podem entrar em contato com o professor Thiago Francis, pelo telefone (61) 9113-4696. O Centro de Ensino Fundamental (CEF) 11 também precisa de doações de instrumentos para montar uma orquestra sinfônica.

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