O esquema explorava um site clandestino de atualização de boletos vencidos. Até o momento, a investigação apurou que os alvos dos criminosos eram clientes de uma distribuidora de alimentos em Anápolis (GO). As vítimas acessavam o domínio virtual para atualizar a data de vencimento de boletos não pagos. Um documento era gerado com as mesmas informações da dívida, mas com um novo código de barras. A pequena mudança, imperceptível aos clientes, mudava a conta de destinação do pagamento. Por isso, o dinheiro acabava direcionado para o Supermercado Rio Vermelho, em Silvânia, município goiano distante 170km de Brasília.
O delegado-chefe da 6; DP, Miguel Lucena, explica que os clientes não percebiam a trapaça porque o nome fantasia da distribuidora de alimentos e o do supermercado envolvido no golpe é o mesmo. ;Além disso, como o site não corrigia o valor da parcela atrasada, o cliente buscava pagar logo a dívida para evitar a multa por atraso;, revelou. Como os compradores, na verdade, não quitavam a dívida, a distribuidora de alimentos entrava em contato com os clientes para informar sobre as parcelas em aberto. Assim, para honrar o compromisso, os devedores acabavam por desembolsar novamente o mesmo valor.
O supermercado que recebia o dinheiro desviado é de pequeno porte. A investigação estimou um faturamento mensal de R$ 20 mil. A partir de 7 de fevereiro, no entanto, a conta do Rio Vermelho começou a movimentar valores atípicos, dando pistas de um faturamento ilegal. Além disso, um mesmo código de barras do supermercado foi usado em mais de 700 operações, com valores diferentes.
A rentabilidade do esquema possibilitou que o dono do comércio, Silvaldo Ferreira de Assis, 35 anos, gastasse R$ 166 mil para pagar contas e outras despesas pessoais. Mais R$ 131 mil pararam em contas indicadas por golpistas. O dono de uma empresa de desenvolvimento de software em Goiânia teria recebido R$ 5 mil, supostamente referentes ao pagamento pelo desenvolvimento do site de atualização de boletos.
Diariamente, a conta bancária do estabelecimento era abastecida com os desvios. Na semana do carnaval, quando Silvaldo percebeu o saldo de R$ 4 milhões, teria tentado sacar a quantia na quarta-feira. A ideia era entregar parte do dinheiro a outro integrante do esquema, identificado apenas como Rodrigo. O pedido extravagante intrigou o gerente da agência bancária. ;O dinheiro ficou bloqueado pelo banco. Silvaldo saiu (do local), e o comparsa que ele diz ser Rodrigo teria pedido várias informações sobre a vida do gerente;, informou a delegada Jane Klébia Paixão, adjunta da 6; DP. Mesmo sem conseguir movimentar a quantia, os desvios continuaram a aumentar o montante resultante do golpe. De acordo com a polícia, até a última sexta-feira, mais de R$ 5,2 milhões estavam bloqueados.
Desvios alcançam o Centro-Oeste
Os policiais do Paranoá começaram a apurar o esquema ilegal após um comerciante da cidade registrar uma ocorrência de estelionato na delegacia, em 20 de fevereiro. Na ocasião, o empresário de 44 anos relatou como descobriu que havia sido vítima do golpe. O débito de R$ 725,60 que tinha com a distribuidora de Anápolis (GO) nunca foi quitado, apesar de ele ter o comprovante de pagamento. Quando buscou satisfações no banco, descobriu que havia sido alvo de fraude.
Na última quinta-feira, os investigadores foram até Silvânia, município com pouco mais de 19 mil habitantes, para colher declarações de Silvaldo Ferreira. Em um primeiro momento, ele informou que havia sido procurado por Rodrigo no ano passado. ;Ele contou que esse Rodrigo sabia de um golpe pela internet e perguntou se ele queria participar. Para isso, teria que fornecer boletos do supermercado e ganharia 20% do valor que entrasse na conta do estabelecimento;, disse o delegado Miguel Lucena.
Na segunda conversa com a polícia, já acompanhado de um advogado, Silvaldo relatou aos investigadores que Rodrigo frequentava o supermercado e se dizia um cobrador de dívidas comerciais. Ele pediu que o comerciante emitisse 15 boletos bancários em nome do estabelecimento para fazer a cobranças. As versões não convenceram os agentes. ;Não acreditamos que Silvaldo foi enganado. Ele sabia que era golpe, mas não imaginava que o volume de dinheiro seria tão grande em tão pouco tempo;, avalia a delegada Jane Klébia. Pelo prejuízo do comerciante do Paranoá, Silvaldo foi indiciado pela 6; DP por estelionato, cuja pena varia de 1 a 5 anos de prisão.
Os delegados da 6; DP suspeitam que o esquema tenha se estendido em toda a Região Centro-Oeste. Por isso, a polícia do DF vai encaminhar as apurações à Polícia Federal. ;Eles poderão investigar a lavagem de dinheiro, a fraude ao sistema financeiro e os crimes interestaduais. Mas se mais alguma vítima do Paranoá foi lesada, nós vamos indiciar os responsáveis;, explicou Miguel Lucena. Até que todas as vítimas sejam identificadas e a polícia conclua as investigações, o dinheiro deve permanecer bloqueado na agência de Silvânia. Na última sexta-feira, o Correio tentou entrar em contato com Silvaldo, mas as chamadas não completaram.
; Colaborou Ariadne Sakkis
Confira a reportagem da TV Brasília
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