Quantos tijolos são necessários para construir uma sala de aula? No Centro de Ensino Fundamental n; 2 de Planaltina, nenhum. Com criatividade, o professor Gilvan Luis França deixou de lado os materiais de construção convencionais e ergueu a estrutura com garrafas PET que iriam para o lixo. O docente teve a ideia de preenchê-las com areia, o que barateou o custo da obra e garantiu a sustentação do espaço destinado aos alunos do ensino integral. Gilvan também usou produtos recicláveis nas janelas, feitas de bambu, e no piso da frente, construído com as pedras quebradas retiradas das calhas da escola. Na parte de cima das paredes, pedaços de papel crepom e tinta guache deram um colorido especial à sala de aula.
A ideia de construir um espaço para os alunos surgiu quando o colégio passou a oferecer o ensino integral. Os meninos e meninas não tinham um local para passar a tarde, e Gilvan teve a ideia de construir a sala com as garrafas PET. Dessa forma, poderia trabalhar a conscientização ambiental com os estudantes, uma das iniciativas da escola. ;No início, pensamos em confeccionar pufes e bonecos, mas por que não fazer um projeto maior? Essa parte onde fizemos a obra estava ociosa e sem serventia para nós;, explicou o professor do CEF 2 de Planaltina.
Com o início dos trabalhos, o projeto ganhou a simpatia de toda a escola. Os 1,8 mil alunos se envolveram com a ideia e ajudaram a arrecadar o material necessário. Eles reuniram 20 mil garrafas PET, das quais 15 mil foram usadas nas paredes da sala. ;Eu parava o carro no meio da rua para pegar uma garrafa. Em dois meses já tínhamos o suficiente para começar;, lembrou Gilvan. Todos queriam se envolver na construção. Era só o sinal tocar e os estudantes corriam até o pátio para encher os recipientes com areia. Ficavam horas ali, sem ver o tempo passar. ;Na hora do recreio, todo mundo vinha para cá. Deixavam de brincar para encher as garrafas;, contou o professor.
Depois dessa primeira etapa, era hora de começar a obra. Aos poucos, as garrafas e o barro davam forma à parede. Em setembro do ano passado, a sala de aula ficou pronta. Mesmo com o esforço de todos, o início do trabalho foi difícil. ;Estudamos bastante na internet para saber se era viável construir a sala com as garrafas, fizemos um trabalho de pesquisa e escrevemos um projeto, mas não tivemos ajuda de profissionais;, explicou Gilvan. ;Não dormi algumas noites, preocupado com a parede. Fiquei com medo de que pudessem cair a qualquer momento.; Para baratear os custos, o professor usou concreto somente nas pilastras de sustentação da sala. A cobertura ficou a cargo da direção da escola.
Prêmio
Enquanto pesquisava na internet como erguer a parede com segurança, o professor encontrou o site da Associação Brasileira da Indústria do Pet (Abipet). Gilvan inscreveu o projeto da escola no prêmio e, em novembro do ano passado, recebeu a notícia de que a ideia tinha sido aprovada na primeira fase da categoria educação ambiental. Ele foi até São Paulo para participar da festa e receber o prêmio, um troféu e um cheque de R$ 2 mil. Com o dinheiro, Gilvan pretende comprar jogos educativos e outros equipamentos para desenvolver as atividades previstas no ensino integral.
O troféu é motivo de orgulho para os alunos do colégio. A estudante da 8; série do CEF 2 de Planaltina Karyne Xavier da Silva, 15 anos, ficou satisfeita de ter participado de todas as etapas da construção da sala da escola onde estuda. ;Achei muito legal esse projeto, mas, no começo, pensei que não fosse dar certo.;
A aluna da 8; série Roana Ywara Neres, 14 anos, também ficou receosa de que a sala não saísse do papel. ;Pensei que seria uma coisa pequena, mas me surpreendi com o resultado. Depois da aula, a gente vinha para cá e ficava enchendo as garrafas;, lembrou. A jovem arrecadou o material com os parentes, vizinhos e amigos. ;Mexer com o barro foi muito divertido. Desde o princípio, gostei da ideia, que é um projeto muito legal.;
Depois de a sala ficar pronta, Gilvan olha para os alunos e se orgulha do resultado. ;Sempre gostei de trabalhar a conscientização ambiental, a importância da preservação com as crianças, que são o nosso futuro. Isso fará parte da vida deles para sempre;, avaliou. O professor lembrou que as garrafas PET levam de 100 a 400 anos para se decompor. ;A gente pensa que todo esse material poderia estar nas ruas, mas está aqui, com uma função. Isso é muito legal;, concluiu.
Música na escola
São diversas as maneiras de reutilizar as garrafas PET. Em Brasília, o professor de ensino fundamental Marcelo Capucci desenvolve, desde 2007, um projeto que ensina estudantes da rede pública a reciclar esses utensílios. Foi assim que nasceu a Percussucata, uma orquestra da qual praticamente todos os instrumentos foram feitos a partir de garrafas PET. Três anos depois, a boa ideia rendeu um prêmio ao professor, conferido por seu trabalho de conscientização ambiental com a educação básica. E o projeto foi ampliado: Capucci se aliou à campanha contra a dengue, estimulando as pessoas a utilizarem as pets recicladas.