A última dança na presença de mestre Teodoro Freire não teve a usual alegria. Antes de dizer o adeus definitivo ao responsável por trazer a cultura do Maranhão para Brasília há 48 anos, os integrantes da companhia que festeja anualmente o bumba-meu-boi dançaram ao redor do caixão do mestre, em Sobradinho. Lágrimas borraram o colorido da apresentação. Em seguida, familiares e amigos seguiram com o corpo para o crematório de Valparaíso (GO). As cinzas de seu Teodoro ficarão guardadas no Centro de Tradições Populares, em Sobradinho. O local foi idealizado pelo maranhense para eternizar a paixão pelo bumba-meu-boi, pelo lugar onde nasceu e por Brasília. O governo local decretou luto oficial de três dias.
Teodoro Freire era movido a felicidade. Com o corpo frágil e já castigado pelo tempo, ele ainda sorria quase a todo momento. A tristeza só entrava em casa quando o time do coração, o Flamengo, perdia. Em novembro último, Teodoro completou 91 anos com muita festa. Ao trazer a mais tradicional manifestação folclórica de sua terra natal para Brasília, o senhor de olhos miúdos e bigode vasto entrou para o calendário oficial da cultura na capital do país.
Durante quase meio século, ajudou a deixar Brasília com mais cara de Brasil. Todo ano, depois do mês de julho, é hora de brincar o boi, em Sobradinho. A história de pai Francisco e Catirina é contada com humor teatral. A moça está grávida, com desejo de comer língua de boi. Francisco mata o animal. O preço para satisfazer os desejos de Catirina é alto. Francisco vai preso. Só ganha a liberdade quando o boi ressuscita, com intervenção de feiticeiros.
A trama é embalada por música regional, roupas vibrantes e pela empolgação de quem se propõe a representar. Quando assistia ao espetáculo, Teodoro se lembrava da infância no interior, em São Vicente de Férrea (MA). Antes de viver em Brasília, ele morou no Rio de Janeiro. Lá, apaixonou-se pela escola de samba Mangueira e aprimorou o amor pelo Flamengo.
Trazer o boi ;na mala;, quando mudou-se para a nova capital, em 1962, foi uma forma de manter a lembrança viva. Mais do que isso, a maneira que seu Teodoro encontrou de não se distanciar de si mesmo. Repassou o gosto pela cultura à família inteira. O maranhense aprendeu a ler e a escrever. Mas não se aprofundou nos estudos, por falta de oportunidade. Teve de trabalhar desde sempre. Seu Teodoro se despediu da vida com a satisfação de ter realizado seus maiores sonhos. Partiu com a certeza de que o boi ficará em Brasília para sempre. O mestre deixa a viúva, Maria José, 78 anos, uma piauiense que aprendeu a bordar roupa do boi para agradar ao marido, nove filhos e uma legião de admiradores.