A Polícia Civil investiga a conduta de um policial militar que matou uma pessoa e deixou outra ferida gravemente após uma suposta briga de trânsito na madrugada de ontem, em uma das pistas marginais da Via Estrutural. Renato Campos, 34 anos, é lotado no Batalhão de Polícia Militar Ambiental e disparou, pelo menos seis vezes, contra três homens da mesma família. A confusão começou por volta das 3h30, depois que João Paulo Cavalcante, 22, colidiu na traseira do Opala do militar. Um irmão, um primo e a mulher do rapaz foram até o local e, após uma discussão, as duas vítimas foram atingidas no abdômen e nas pernas. Fernando Cavalcante da Silva, 32, morreu no local e João Paulo está internado em estado grave. O sargento se apresentou à polícia e alegou legítima defesa. Ele foi liberado após prestar depoimento e não será afastado da corporação.
Para os agentes, o crime ainda não está esclarecido, já que cada um dos envolvidos conta uma versão. ;Precisamos ouvir todas as pessoas e apurar os fatos para saber o que realmente aconteceu. Só assim, saberemos se houve excesso por parte do policial;, informou o delegado plantonista da 17; Delegacia de Polícia (Taguatinga Norte), Felipe Aguiar. A roupa que Renato Campos usava na hora dos disparos e a pistola .40 foram apreendidas. Imagens das câmeras de segurança dos estabelecimentos comerciais e de um condomínio que ficam próximos ao local onde Fernando morreu também devem ajudar nas investigações.
A versão do sargento é contestada pelo primo das vítimas, que tem 31 anos e presenciou os parentes sendo atingidos. ;O João Paulo ligou para a mulher dele falando que tinha batido o carro e que era para ela ir lá.
Quando chegamos, o policial estava com a arma na mão e os dois estavam alterados. Eu e o Fernando tentamos acalmar. Fomos nos aproximando e foi quando ouvi uma sequência de seis disparos. Em momento nenhum, ele falou que era PM;, contou o homem, que preferiu não se identificar. A mulher de João Paulo, que está grávida, viu o marido baleado e chamou o Corpo de Bombeiros. O rapaz, atingido por pelo menos quatro disparos no abdômen e nas pernas, foi levado ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Segundo familiares, ele está em coma induzido e o quadro é grave. Fernando deixou dois filhos, de 10 e 7 anos.
O pai das vítimas acompanhou o trabalho da perícia e, em estado de choque, contou que a atitude do policial não condiz com a função do agente público. ;Eles (os policiais) tinham que proteger e não matar pais de família. Meus filhos são pessoas do bem;, afirmou Francisco João da Silva, 63 anos. O comerciante disse que João Paulo voltava da casa de um tio. Fernando, o mais velho de três irmãos, era representante comercial e morava no mesmo lote que o pai, em Vicente Pires. ;Não tem cena pior do que chegar em um lugar e ver o seu filho morto no chão;, lamentou Francisco.
Familiares dos dois irmãos baleados temem que a atitude do sargento fique impune. ;Quando cheguei à delegacia, já tinha mais de 30 policiais do batalhão dele. Foram os PMs, inclusive, que o levaram para registrar a ocorrência;, contou o primo das vítimas.
Punição
Apesar da morte de Fernando Cavalcante, o sargento Renato Campos não será afastado da corporação. De acordo com o comandante do Batalhão de Polícia Ambiental, Cláudio Ribas de Sousa, o militar agiu em legítima defesa. ;Não existe indicativo para o afastamento. É preciso analisar todas as versões, mas o sargento disse que iria apanhar e começou a correr, mas eles foram atrás dele.; Ribas afirmou ainda que o PM está na corporação há pelo menos 15 anos e é um excelente profissional. ;Ele está muito abalado e pode ser afastado para se recuperar, mas não pelo fato de ter atirado;, explicou o tenente-coronel.
O comandante disse que conversou com o sargento e ele garantiu que João Paulo aparentava estar embriagado no momento da colisão. ;O policial verificou os sinais e chamou reforço. Foi então que o rapaz ligou para os familiares, que chegaram tomando satisfação.; Renato Campos foi submetido ao teste do bafômetro e, segundo o delegado Felipe Aguiar, o resultado deu negativo para o consumo de bebida alcoólica. O investigador não informou se João Paulo Cavalcante também foi submetido ao exame.
De acordo com a promotora de Justiça Maria José Miranda, o acusado de executar Fernando Cavalcante pode ser condenado à punição mais severa pelo fato de ser PM. Segundo ela, é comum que magistrados levem em conta as circunstâncias que fizeram com que o agente público puxasse o gatilho. ;O juiz considera que o policial é treinado para controlar as emoções em momentos de conflito. Ele também leva em consideração o emprego de armamento por um profissional fora do serviço. Tudo isso pode ser determinante para que a pena seja maior;, afirmou.
Para Maria José, o episódio deve ser tratado como um caso isolado. ;São raros os desvio de conduta dessa natureza dentro das nossas polícias. Tanto a PM quanto a Polícia Civil contam com homens extremamente bem preparados. Não podemos generalizar;, ponderou a promotora.