Jornal Correio Braziliense

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Pena branda estimula a ação de grileiros que vendem lotes em áreas nobres

A alta rentabilidade e a certeza da impunidade são estímulos para que os grileiros continuem a agir livremente no Distrito Federal. A maioria dos criminosos presos fica menos de um mês atrás das grades, o que frustra as equipes policiais envolvidas com a investigação desses casos. Como o parcelamento irregular de solo prevê pena máxima de detenção de apenas quatro anos, os processos acabam suspensos ou são prescritos antes de a Justiça fixar punição. O Código Penal não prevê nenhuma sanção para quem compra áreas griladas, o que contribui para aquecer o mercado de terrenos irregulares. Só este ano, 10 grileiros foram presos no Distrito Federal, mas apenas três permanecem na cadeia. Os outros acusados foram beneficiados pela legislação branda e já estão em liberdade.


Para conseguir colocar um grileiro na prisão, a polícia tem que indiciá-lo por outros crimes, além do parcelamento do solo. Na maioria dos casos, eles também são enquadrados por crime ambiental. A Lei n; 9.605/98 prevê reclusão de um a cinco anos para quem causar danos diretos ou indiretos às unidades de conservação e a áreas de relevante interesse ambiental. Os responsáveis por parcelamentos irregulares de terras públicas também respondem frequentemente por formação de quadrilha, que tem pena prevista de três a seis anos. Se o grileiro firma promessa de venda ou manifesta intenção de vender o terreno em desacordo com a lei, a punição é a reclusão de um a cinco anos, mais multa de até 100 salários mínimos.


Uma das acusadas de grilagem presa recentemente pela Delegacia de Meio Ambiente (Dema) só ficou na cadeia porque foi indiciada por outros crimes, como estelionato, formação de quadrilha e exercício ilegal da profissão de corretora. Nadja Lima Passos, 43 anos, vendia lotes irregulares em uma área de cerrado próxima à QI 29 do Lago Sul. Os policiais que investigavam o caso se passaram por compradores para flagrar a acusada. Ela oferecia terrenos por valores que variavam entre R$ 40 mil e R$ 140 mil e repassava documentos falsos aos compradores. Mas acabou presa em 10 de dezembro do ano passado.

Nadja criou um parcelamento falso, chamado de Condomínio Veneza. A audácia da suposta grileira chamou a atenção da polícia. Ela colocou no ar um site para anunciar o empreendimento. A página da internet parece profissional e traz informações capazes de ludibriar os visitantes. A acusada forjou até convenção e regimento do condomínio. Publicou atas de assembleias que nunca foram realizadas e inseriu links para sites do GDF. Na página, não há qualquer mapa ou indicação sobre a localização do parcelamento fantasma. Há o endereço de um escritório na área comercial do Condomínio Portal do Lago Sul, no Setor Jardim Botânico, e um telefone de contato.


Em atividade


O Correio ligou para o número e constatou que o escritório continua em atividade, apesar da prisão de Nadja Passos. A funcionária do condomínio informou que os lotes não eram mais comercializados por meio da administração, mas contou que ainda havia terrenos disponíveis para a venda. A reportagem perguntou se havia autorização para construir no local e a secretária assegurou que toda a documentação estava sendo providenciada para que os compradores pudessem começar a erguer casas no terreno. A assessoria de imprensa da Terracap informou que o suposto Condomínio Veneza fica em terras públicas. Uma equipe de fiscais da companhia fez uma vistoria no local na última sexta-feira.


A área é pública e fica ao lado de dois outros antigos parcelamentos irregulares criados por grileiros em terras de propriedade do governo. Os condomínios Privê Morada Sul Etapa C e o Estância Quintas da Alvorada, ambos no Lago Sul, estavam vazios há quatro anos mas, de lá para cá, centenas de casas foram construídas. O vaivém de caminhões com material de construção é intenso nos dois parcelamentos, especialmente no Estância Quintas da Alvorada. No último fim de semana, a reportagem flagrou operários trabalhando em casas no Privê Morada Sul Etapa C. Segundo a Terracap, as áreas são públicas não têm nenhuma previsão de regularização.


As indefinições fundiária do Distrito Federal, que ensejam intermináveis discussões judiciais sobre a propriedade de terras, estão entre os fatores que estimulam a grilagem e o parcelamento irregular do solo. O síndico do condomínio Privê Morada Sul Etapa C, Ivan Zelaya Chaves, alega que a área é particular. Mas nenhum comprador tem terreno registrado em cartório. Ele nega a existência de novas construções. ;Algumas pessoas estão só terminando as obras por causa das chuvas, mas não tem nada novo. O condomínio tem um laudo pericial em uma ação de demarcação de terra e quase metade da área é particular;, garante Ivan.


Uma decisão do desembargador Lecy Manoel da Luz, da 5; Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF, determinou que o governo precisa pedir autorização expressa do magistrado para agir e derrubar construções irregulares no condomínio. O desembargador também proibiu novas edificações, mas a comunidade ignora a determinação e mantém as obras a todo vapor.