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Valor do álcool chega a R$ 2,27 e é o mais alto para o período desde 2005

A abertura do mercado dos Estados Unidos e o aumento da demanda no exterior pelo açúcar explicam a menor oferta de biocombustível no país


O ano começa com o preço do álcool nas alturas. O valor que aparece nas bombas supera a média observada em todos os anos anteriores para o mês de janeiro no Distrito Federal. Nos postos da cidade, o litro não sai por menos de R$ 2,27. No mesmo período do ano passado, o valor era de R$ 2,06. Ainda distante do período de colheita da cana, que ocorre em abril, especialistas acreditam que esta é a época em que o consumidor fica mais vulnerável à oscilação dos preços. Em 2011, a situação mais crítica foi quando o custo do combustível subiu e ficou próximo ao da gasolina. Em algumas regiões da cidade, o litro chegou R$ 2,84. Especialistas preveem que a situação poderá se repetir neste primeiro semestre.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, membro Conselho Nacional de Tecnologia e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é um dos que acredita que os picos nos preços devam continuar este ano. ;Não significa, necessariamente, que o valor final vai superar o que tivemos no passado, mas sabemos que tudo é possível;, diz. O especialista esclarece que as altas ocorrem porque há pouca oferta no mercado. Com isso, os donos de carros flex, que pressionam a demanda, acabam reagindo e migrando para a gasolina. Somente por isso, os preços caem ou se mantêm estáveis.

Para Cerqueira, a situação, tal como está hoje, não incentiva o abastecimento com o etanol. Ele defende o controle das bombas por mais tempo. ;Não vai faltar nos estoques justamente porque os preços altos tornarão o consumo inviável;, completa.

Sem fazer contas

Pouco confiantes de que abastecer com o biocombustível trará economia, os donos de carros flex abandonaram a calculadora. O servidor público Samy Staretz, 36 anos, diz que nunca optou pelo etanol. ;Na hora de comprar o carro, pesou na minha escolha o fato de ter essa opção, de completar o tanque com álcool ou gasolina. Mas, ao fazer as contas pela primeira vez, percebi que o baixo rendimento não compensava a economia. Por isso, eu sempre abasteci com gasolina.;

Para Samy, o governo deveria intervir de forma mais incisiva no mercado para garantir aos consumidores um preço realmente competitivo. ;O Brasil é um país produtor e precisa incentivar os usineiros a ter mais interesse para produzir e vender o etanol internamente. No lugar disso, hoje, eles preferem exportar, deixando o preço no país alto desse jeito;, avalia o servidor público.

Para refazer as contas e ter certeza de que o etanol é a escolha certa, é preciso considerar que o álcool deixa de valer a pena quando excede 70% do custo da gasolina. Assim, antes de abastecer o carro, divida o preço do litro do álcool pelo o da gasolina. Se o resultado for inferior a 0,70, o álcool é a melhor opção. No entanto, ao optar por usar os dois combustíveis, a melhor relação custo/benefício é observar a proporção de 85% de gasolina para 15% de álcool.

Entraves

Para entender os problemas que afetam a oferta de etanol disponível no mercado brasileiro, é preciso levar em conta o alto valor do açúcar no mercado internacional. Como há escassez do produto no mundo, os preços negociados acabam sendo mais atraentes do que o pago pelo combustível. Além disso, ainda que o governo tenha anunciado medidas para incentivar um aumento nos estoques no fim de 2011, a fiscalização é muito precária. Uma solução para o entrave seria o aumento real da produção.

Para o diretor técnico da União das Indústrias de Cana de Açúcar (Única), Antônio de Pádua Rodrigues, outros fatores precisam ser levados em conta. ;Não há só o produtor na cadeia. Existem os distribuidores e os postos. É preciso entender também qual é o comportamento dos demais agentes. O que nós temos como confirmar é que houve um acréscimo de R$ 0,06 por litro, na produção, entre janeiro deste ano e do ano passado, ou seja, alguém corrigiu as margens.;

Antônio de Pádua discorda sobre a possibilidade de haver grandes aumentos nos valores do derivado da cana, assim como ocorreu no ano passado. ;O mercado sinaliza estabilidade. O cenário não indica que viveremos a mesma situação do ano passado. Mas, se houver picos, não haverá demanda. A média de consumo no país é de 1,5 bilhão de litros ao mês. Quando houve o aumento brusco do ano passado, caiu para um terço dessa quantidade.;

Incentivo federal
O governo federal passou a garantir, por meio da Medida Provisória n; 554, de 23 de dezembro último, subsídios de até R$ 500 milhões por ano para estimular a formação de estoques de etanol no país. A medida serve para incentivar a construção de estoques do produto e estabilizar a oferta em períodos de entressafra.

Desaceleração

Diminuiu o ritmo da moagem da cana-de-açúcar. Até o fim de novembro último, as unidades produtoras do Centro-Sul atingiram 488,46 milhões de toneladas, uma queda de 10,23% em relação ao volume processado no mesmo período de 2010. Na segunda quinzena de novembro, a moagem processou 9,11 milhões de toneladas, retração de 50% frente a igual período da safra anterior.

Dica
Como fazer as contas e descobrir se o Etanol é a escolha certa na hora de abastecer o carro:

; Divida o preço do litro álcool pelo o da gasolina. Para valer a pena, o resultado deve ser inferior a 0,70

Investimentos podem favorecer o etanol

As perspectivas para o setor sucroenergético não são de todo ruins. No ano passado, foram anunciadas mudanças na política que podem ajudar a impulsionar o etanol. Uma delas é a chegada de novas variedades de cana ao mercado, capazes de reduzir os custos e aumentar a produtividade dos canaviais. Mais resistentes a doenças e pragas, elas foram desenvolvidas após 10 anos de pesquisas no Brasil. Os investimentos de R$ 150 milhões foram feitos pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).

Além disso, o Congresso norte-americano não prorrogou as barreiras protecionistas que impediam o ingresso do etanol brasileiro nos Estados Unidos. Após amargar três décadas no banco de reserva, o produto nacional pôde finalmente chegar em solo americano com preços competitivos.

Mas, para aproveitar as oportunidades, os produtores brasileiros e o governo terão de rever prioridades e investimentos, alerta o professor de engenharia mecânica da Universidade de Brasília (UnB) Alessandro Borges. ;Tudo isso precisa ser ponderado, porque além de exportar açúcar e etanol, o mercado interno precisa ser abastecido;, lembra.

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), Alísio Vaz, diz que é muito cedo para estimar qual serã o futuro do álcool e o preço a ser comprado do consumidor. ;Em 2011, por exemplo, o preço subiu muito. A situação se agravou porque as pessoas demoraram para reagir e deixar de abastecer com o etanol;, acrescenta Vaz.

José Carlos Ulhôa Fonseca, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis Automotivos e de Lubrificantes do DF (Sindicombustíveis-DF), por sua vez, diz que não é terrorismo ou pessimismo dizer que há uma crise no setor. ;Não vejo melhorias no futuro. Pelas informações que temos, a crise do álcool está instalada;, afirma.

Vítima do sobe e desce dos preços, Patrícia Marques, que tem carros flex desde 2005, não se lembra da última vez que abasteceu com etanol. ;Não compensa. A intenção não era usar gasolina, mas não tem jeito.;