A paisagem bucólica de Planaltina se transformou com o passar do tempo. A transferência da capital para o Planalto Central trouxe o desenvolvimento à região, mas modificou a cidade antiga com ar interiorano. Carregadas de histórias, as casas de adobe saíram de cena e deram lugar a construções modernas e vultosas. As fotos guardam a única lembrança dos casarões coloniais que abrigaram os primeiros moradores de Planaltina. Mais de 150 anos depois, porém, algumas edificações ainda resistem à ação do tempo e do descaso.
Na Rua Coronel João Quirino, no Setor Tradicional de Planaltina, a modernidade venceu a preservação da história. O casarão onde funcionava o antigo hotel Ouro Fino foi derrubado no fim de 2009 para a construção de um outro prédio. Os moradores mais resistentes à transformação denunciaram o caso. ;Os proprietários destroem as casas aos poucos, longe dos olhos de todo mundo e quando a gente vê não sobrou mais nada;, lamentou a presidente da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina, Simone dos Santos Macedo.
Já o casarão da dona Nigrinha, localizado na Rua 13 de Maio, resiste em pé à ação do tempo. Ele pertencia ao madeireiro Zé Baiano e à esposa, que deu nome à construção. Após a morte do casal, o imóvel ficou para uma filha de criação, que tenta vendê-lo. Para evitar uma nova destruição, Simone Macedo procura um comprador interessado em preservá-lo. ;Ele fica num ponto estratégico, entre duas praças, mas está bastante deteriorado. Há um projeto de restauro feito por um ex-aluno da Universidade de Brasília (UnB) e já sugerimos que a própria instituição compre a casa;, adiantou.
Cuidado
A preservação dos casarões depende da vontade dos donos. A antiga casa do avô paterno da professora aposentada Marilda Guimarães, 68 anos, chama a atenção de quem passa na esquina da ruas Hugo Lobo e 13 de Maio. Em 2007, o imóvel passou por uma reforma e Marilda optou por manter a estrutura original. ;Nossa família é muito ligada à preservação, senti que tinha a obrigação de fazer isso;, disse. O local serviu de moradia para o delegado e avô da professora na primeira metade do século 20, Antônio Gonçalves Guimarães, e depois como coletoria federal, onde os impostos eram cobrados. ;No início, enfrentamos resistência dos trabalhadores, que queriam usar materiais novos, mas precisei mostrar a eles o valor da restauração;, contou Marilda.
E foi esse cuidado que despertou a atenção da professora Maria Dalva Trivellato, 54 anos. Ela se mudou para Brasília há três meses e, desde dezembro, vive no imóvel que já foi do delegado da cidade. ;Me encantei com a fachada e vi que estava para alugar. Pensei em morar aqui na hora;, lembrou. Um detalhe na parede da garagem desperta a curiosidade de quem a visita. Marilda preservou um pedaço da parede, feita de barro, e colocou uma identificação ao lado. ;Achei muito interessante esse cuidado, gosto muito desse trabalho. Quando morava em Minas Gerais, meu passeio era visitar a cidade histórica de Ouro Preto;, contou Maria Dalva.
A dona do hotel O Casarão, Geralda Maria Vieira, 81 anos, também resistiu à ação do tempo. Ela se mudou para Planaltina há 51 anos, comprou o imóvel e o mantém até hoje. ;A cidade cresceu muito, gosto do progresso, mas também de proteger essa área que nos traz muitas lembranças;, defendeu. A casa fica na praça Coronel Salviano Monteiro, no Setor Tradicional, próximo a outras edificações que ainda estão de pé como os casarões da dona Morena e da dona Nilda, a antiga Prefeitura e a Casa de Câmara e Cadeia. Até um pé de jenipapo está na lista de tombamento da associação. ;A gente ouve falar que ele serviu como a primeira cadeia pública da região, queremos tombá-lo e recuperar a praça também;, explicou Simone.
Dificuldades
Segundo o superintende do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal (Iphan-DF), Alfredo Gastal, a grande dificuldade do governo é proteger o patrimônio da destruição que ocorre atrás dos muros. ;A maioria desses prédios é particular, o que dificulta o processo de preservação;, explicou. Ele desaprova o descaso com o Setor Tradicional, mas justifica que o Iphan-DF também não tem estrutura para resolver o problema da região. ;Isso é complicado porque exige uma estrutura que não temos, mas estamos abertos a discussões. Esse patrimônio merece ser preservado e o GDF pode fazer isso;, sugeriu.
O diretor de preservação da Secretaria de Cultura, Jonatas Barreto, explicou que somente o Museu Histórico de Planaltina e a Igreja de São Sebastião são tombadas pelo Governo do Distrito Federal, e o órgão não pode intervir nas edificações que não são protegidas. ;Precisamos começar um processo de tombamento que é longo, precisa de muitos estudos e aprovações. Sabemos da descaracterização, mas estamos de mãos atadas pela lei. Só podemos agir nas imediações se houver interferência das edificações tombadas;, explicou. Ele defende a educação patrimônio entre a população para evitar mais destruições.
Conservação
O grupo surgiu em 2007 após uma parte da estrutura da igreja de São Sebastião ser destruída. O episódio despertou em alguns moradores a necessidade de preservar a cidade que guarda muitas histórias da ocupação do Planalto Central. Desde a fundação,
os membros da associação trabalham para defender a preservação e o tombamento do patrimônio histórico.