Sentado em uma cadeira, João da Silva Neiva, 104 anos, observa atento o vaivém de pessoas ao redor. Em cada um dos filhos, netos e bisnetos, João encontra um pouco de si mesmo. Vê a juventude do passado e pensa nos planos para o futuro, que agora é só tempo presente. Hoje, o centenário comemora mais um aniversário. Jamais imaginou chegar tão longe. Gostou da vida sem se preocupar: dançou, bebeu, fumou e amou, sem perder o controle nem entregar-se a vícios.
Jamais prejudicou a própria saúde. Tem bons níveis de colesterol. Como bom mineiro que é, nascido em Paracatu, João adora doce de leite. Nunca teve problemas com diabetes. Enxerga bem, ouve pouco e fala baixo, no tom de quem já se esforçou demais. Anda quase sempre sem ajuda de muletas. Faz questão de barbear-se sozinho, tomar banho sem ajuda e de escolher as próprias roupas, sempre elegantes.
Ontem, a família se reuniu para celebrar os 104 anos de João. Teve música sertaneja ao vivo, churrasco e cerveja gelada, no salão de festas do prédio onde mora uma das filhas, em Águas Claras. Enquanto todos circulavam animados pelo salão, seu João manteve a postura de observador tranquilo. Recebeu muitos beijos e abraços, de amigos e parentes que fizeram questão de prestigiá-lo nessa data tão feliz.
João desperta admiração em quem o conhece. ;Costumo brincar que fico muito perto dele, para ver se pego essa energia boa que o fez viver tanto. Quero chegar aonde ele chegou, com essa lucidez;, diz um dos genros, Erasto Gomes Filho, 57 anos. Seu João tem sete filhos vivos, seis mulheres e um homem. Outros seis já morreram.
Todos são frutos da união dele e com Maria Madalena, que morreu há quase 15 anos, aos 86. Depois de enviuvar, João não se casou mais. Ainda hoje, lembra-se da beleza da mulher, de quem era primo. ;Uma morena linda;, relata. No coração de João, há bondade e amor, mas também reside a saudade. O centenário já se despediu de muita gente.
A família Neiva carrega a marca da longevidade. Antes de João, o recorde de idade era de 102 anos, completados por uma prima. Às vésperas de fazer 100 anos, João comentava com os filhos o desejo de ser um centenário. ;Ele queria saber a sensação de completar um século de vida, sempre disse isso. Graças a Deus, ultrapassou essa meta. Isso nos faz muito felizes;, afirma a filha Guiomar Neiva, 57 anos.
Felicidade
Hoje, o centenário diz estar cansado. Mas não costuma se queixar. ;Eu sou feliz porque não sinto dor em lugar nenhum e tenho independência;, ressalta. Para seu João, o que faz a vida valer a pena é o amor e o cuidado que recebe dos filhos. A mais velha entre eles, Eni da Silva Neiva, 67 anos, mora com João, em Taguatinga Norte. Dedica-se incondicionalmente ao pai. ;Ela se transformou de minha filha a minha mãe;, diz João. ;Meu pai é uma raridade. Uma pessoa muito legal, que nunca teve inimigos. Ensinou a todos nós os valores mais importantes, como honestidade e sinceridade. Criou todos os filhos para ir por um bom caminho;, destaca Eni.
Desde cedo, João orientou os filhos sobre a importância de dizer sempre a verdade. A mentira, ensinava ele, pode levar a caminhos incontornáveis. Ensinou-os também a aproveitar os prazeres de viver. ;Em julho, nós fomos para a fazenda dele, em Paracatu, e ele até jogou truco;, lembra o genro Erasto. Outra característica marcante em João Neiva é a paciência. ;Ele sempre foi muito calmo. Nos impunha limites sem precisar ser agressivo. Além disso, é bem humorado. Na adolescência, foi muito arteiro, aprontava com todo mundo, sempre fazendo graça;, descreve a filha Efigênia Neiva, 52 anos.
Na capital
João chegou a Brasília em 1969, aos 62 anos. Arrendou suas terras em Paracatu e veio com os filhos em busca de uma vida diferente, mais urbana e cheia de oportunidades. Agricultor, ele não teve tempo de se dedicar aos estudos. É, entretanto, conhecido como um homem sábio, dotado de inteligência que vai além de qualquer instrução formal. ;A prova de que ele é uma pessoa excelente é esta: mais um aniversário rodeado de filhos, netos e amigos. Todos querem aprender com ele;, resume a filha Guiomar.
A rotina de João segue dentro da normalidade. Apesar das preocupações das filhas, ele gosta de fazer a barba, tomar banho e de cortar as unhas sozinho. Dispensa a bengala para andar dentro de casa. Quando sai, porém, sente-se mais seguro com o auxílio do aparato de madeira, que o ajuda a se equilibrar.
Ontem, ele escolheu camisa social lilás bem clara, calças pretas e um sapato elegante para se apresentar aos convidados. Penteou, com cuidado, os cabelos totalmente brancos e ralos. As marcas do tempo em seu rosto contam uma longa história que, se depender dele, terá outros capítulos. A família já faz planos para a festa de 105 anos, em 2013.
Há 104 anos
Como era o mundo em 1908, ano em que seu João nasceu
; No Brasil, nasce o compositor e violonista Cartola e morre Machado de Assis, poeta, romancista, dramaturgo, contista, jornalista e cronista.
; Nascem a atriz Bette Davis, nos Estados Unidos, e a filósofa e escritora Simone de Beauvoir, na França.
; Chega ao Brasil a primeira leva de japoneses imigrantes, alternativa para as dificuldades impostas pelo governo italiano à imigração de italianos.
; Exposição no Rio de Janeiro comemora o centenário da abertura dos portos brasileiros às nações amigas.
; Em Portugal, o rei Carlos I e o filho mais velho dele, Luís Filipe Duque de Bragança, são assassinados.
; Ocorre a Revolução dos Jovens Turcos, um dos marcos da dissolução do império otomano.
; A Bulgária, país natal do pai da presidente Dilma Rousseff, proclama-se independente do império otomano.