postado em 11/12/2011 08:05
O primeiro ambiente acadêmico voltado para formar uma geração capaz de investigar e mudar a realidade brasileira está perto de completar 50 anos. Criada em meio a sonhos e discussões, a Universidade de Brasília (UnB) surgiu no papel em 15 de dezembro de 1961, quando o então presidente da República, João Goulart, assinou a Lei n; 3.998. Era o primeiro passo para a materialização dos conceitos do antropólogo Darcy Ribeiro, patrono da instituição. Desde então, formaram-se artistas, personalidades e políticos, protagonistas da história da capital federal e do país. Com ideais originalmente revolucionários e um corpo docente selecionado, a universidade cresceu, ganhou cursos e um perfil diferente. Hoje, o ar esquerdista deu espaço a outros tipos de engajamento. A instituição é comandada por educadores jovens, mas considerados alguns dos melhores do país.
O arquiteto Oscar Niemeyer e o urbanista Lucio Costa previram o câmpus no projeto original de Brasília ; ocuparia um espaço entre a Asa Norte e o Lago Norte. Mesmo assim, foram necessários três anos de discussões até a aprovação da norma que fixasse o endereço definitivo, no local desejado. Aos governantes da época, não era atraente a ideia de ter tantos universitários perto do centro do poder. Após a inauguração, em 21 de abril de 1962, as primeiras aulas eram ministradas ao ar livre, nas proximidades do Auditório Dois Candangos e no 9; andar do Ministério da Saúde. Pouco tempo depois, os institutos e as faculdades foram erguidos (leia Linha do tempo).
Em 1962, Darcy Ribeiro, o primeiro reitor, além de fundador da UnB, pediu ajuda financeira aos Estados Unidos, no valor de 14 bilhões de cruzeiros, a serem financiados em 40 anos com juros de 2% ao ano. Um ano depois, começaram as obras do Instituto Central de Ciências (ICC), projetado por Niemeyer. O Minhocão, como ficou conhecido, abriga a maioria dos departamentos, dos laboratórios e das salas de aula da UnB. Embora tenha sido palco de manifestações e da formação da identidade de muitos jovens, o espaço nunca foi concluído. Faltam ainda a cobertura e o tratamento acústico dos anfiteatros.
Ditadura
Ainda em fase de construção dois anos após a inauguração, a UnB voltou a ser o foco de polêmicas entre os políticos da época. Desta vez, a discussão não era em torno da localização, mas da ideologia. Logo após a queda de Jango, em 1964, a ditadura instalada a partir do golpe militar trouxe momentos difíceis para a universidade como modelo revolucionário, didático e aberto, além de muito diferente daquele implatando nos anos 1930 e seguido até então por todas as outras instituições de ensino superior do país.
Conhecida por sediar pensamentos esquerdistas, a UnB passou a ser taxada de ambiente marxista. Os militares não pouparam esforços para investigar as conexões entre estudantes e professores. Em 18 de outubro de 1965, uma devassa resultou na demissão de 15 educadores, acusados de subversão. As aulas acabaram suspensas. Indignados com a arbitrariedade militar, 223 mestres e instrutores pediram demissão coletiva. Os então especialistas, convocados para formar um corpo docente de ouro, promoveram uma das maiores revoluções dentro da universidade. A luta seguiu por três anos, quando uma série de manifestações contra a ditadura tomou conta da UnB em 1968.
Com o uso de armas e da truculência, as forças do Exército e a polícia política tentaram frear o protesto de 3 mil alunos contra a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima Souto, assassinado no Rio de Janeiro, aos 20 anos, após a invasão do restaurante universitário Calabouço. A manifestação foi determinante para o decreto de prisão de sete universitários. Entre eles, Honestino Guimarães, presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (Feub) na época.
O aluno foi desligado da universidade, perseguido e preso, em 1973, após cinco anos na clandestinidade. O desaparecimento dele foi denunciado pelos presos políticos de São Paulo em 1976. Só em 1996 a morte foi oficialmente reconhecida. A memória de Honestino ainda é viva na UnB. O Diretório Central de Estudantes adotou o nome dele em homenagem.
Identidade
Na mesma época em que os professores pediram demissão e o Ato Inconstitucional n; 5 (AI-5) era decretado, nascia em Bruxelas, na Bélgica, Dado Villa Lobos. Depois de passar por diversos países com a família, aos 14 anos a história do músico se misturou com a da UnB. Passados os conflitos e prestes a entrar em um período de redemocratização, aquele que seria o futuro guitarrista da Legião Urbana começou a tomar posturas críticas e a fazer amizades no câmpus da UnB, na Asa Norte. ;A maioria dos meus amigos morava na Colina. Foi lá que eu conheci o Fê e o Flávio Lemos (fundadores do Capital Inicial) e o André Müller (fundador da Plebe Rude). Com 15 anos, andava de skate no Minhocão. Lá, era o lugar onde as ideias fervilhavam;, contou Dado, que hoje vive no Rio de Janeiro.
Em 1983, Dado se tornou aluno da UnB, período considerado por ele como um divisor de águas. ;Fui aprovado em ciências sociais em primeira chamada. Antes disso, participava das exposições de arte, em que tocava com a minha banda diversas vezes. Ser aprovado no vestibular foi um rito de passagem;, detalhou. Embora não tenha concluído a graduação, viveu o ambiente universitário por um ano. Segundo ele, o aprendizado contribuiu para a formação intelectual e pessoal. ;As aulas de literatura brasileira, as leituras e a construção social foram essenciais para a construção do meu caráter.;
Dado Villa Lobos deixou o curso em 1984, por conta da rotina imposta pela Legião Urbana, a maior banda de rock do país. Mesmo assim, continuou a acompanhar o dia a dia da UnB. ;Depois da ditadura, o perfil mudou, mas os estudantes não deixaram de lutar. Derrubaram um reitor, em 2008, e conseguem mostrar os seus ideais;, avaliou. O músico refere-se ao caso em que Timothy Mulholland se viu acusado de desviar recursos da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) e acabou deposto após a manifestação dos estudantes.
O guitarrista passou no vestibular num momento em que a estrutura inicial da universidade ; direito, administração e economia; letras brasileiras; e arquitetura e urbanismo ; havia sido alterada. O professor e pesquisador Amadeu Cury assumiu a reitoria em 1971, quando 14 cursos de graduação foram criados ; um aumento de 82% em relação a 1962. Hoje, há 98 graduações, 163 pós-graduações stricto sensu e 58 lato sensu. Os 2.245 professores ministram aulas em quatro câmpus: Asa Norte, Ceilândia, Planaltina e Gama. E 50 anos após a sanção do documento que criou a universidade, 30.727 alunos estão matriculados. No primeiro vestibular, eram apenas 413.
Ponto de encontro
A Colina da UnB tem 11 blocos, construídos entre 1963 e 1998 para abrigar professores e funcionários da universidade. O local é considerado ponto de encontro da juventude na década de 1980 e ficou conhecido por ter sido essencial para o surgimento de uma das bandas de rock mais conhecidas da capital, a Legião Urbana. Foi a primeira obra no Brasil a ser feita com a técnica de concreto pré-moldado.