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Após a separação, quem fica com a guarda dos filhos precisa planejar gastos

Quem vai ficar com os filhos? Essa é a primeira pergunta que surge quando um casal decide se divorciar. Além do componente emocional, que é preponderante, essa é uma decisão que terá grande peso no futuro financeiro dos novos solteiros. Cuidar e educar os filhos sem a presença constante do pai ou da mãe é por si só uma tarefa difícil. Mas ter condições econômicas de arcar com as despesas é outro desafio.

Na avaliação da professora de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Myrian Lund, existem dois fatores que pesam nessa decisão. O primeiro é o quantitativo. “Sim, coloque no papel. Você vai descobrir que suas despesas serão maiores. Gastos eventuais não são considerados a ponto de serem colocados no papel para dividir com o antigo companheiro. Isso significa que essa pessoa terá de pagar o material escolar extra, o presente para o aniversário do amigo etc.”, explica a economista.

Em contrapartida, pelo lado qualitativo quem fica com os filhos ganha mais um impulso para recomeçar a vida. “O filho empurra para frente. Ele te motiva a trabalhar, ver a vida. A gente observa que quem fica com a criança e olha isso com prazer acaba conseguindo o retorno adequado. Você está separado, mas tem alguém em casa te esperando. É uma motivação”, diz Myrian.

Jucélia Torres, policial rodoviária, tem 53 anos e permaneceu casada por mais de 20 anos. Após o divórcio, ficou com a guarda das duas filhas. Além de ter recebido o apoio delas, Jucélia lembra que optou por abrir mão de qualquer discussão por bens ou pensão. “As duas já eram grandes, eu sozinha conseguia nos manter e fiz toda força para que não houvesse um clima ruim entre nós dois (ela e o ex-marido). Ele ficou de continuar pagando a faculdade, esse foi nosso acordo”, conta. “Não vou dizer que não ficaram marcas. Mas fez muito bem para a gente se separar, tanto economicamente quanto psicologicamente. Eu e ele nos recuperamos e hoje, seis anos depois, estamos muito melhor que antes.”

Controle
A educadora física Luciana Bim, 37 anos, conta que passou por grande transformação após o divórcio. Ela se casou aos 21 anos, mas a união só durou oito. Durante todos esses anos, o marido, que ganhava mais, custeava os gastos da casa. O salário dela servia apenas para as despesas pessoais e ela nunca poupou. “Ganhava e gastava, simples assim. Mas, depois que tive que começar a me sustentar e a cuidar da nossa filha, que hoje já tem 13 anos, eu me vi atolada em dívidas”, recorda.

Saiba Mais

Ainda que recebesse pensão no início, ela diz que não sabia nem o que fazer com o dinheiro. “Por sorte, durante as seções de terapia em grupo, conheci um consultor financeiro que foi o meu grande amigo. Ele sentou comigo, abriu um programa de computador e me fez anotar todos os gastos, até com balinha”, diz. Além de se tornar mais disciplinada, Luciana finalmente descobriu o quanto ganhava. “Como profissional liberal, o pagamento não é unificado e eu nem sequer sabia meu salário. Após oito meses, consegui me reerguer. Hoje, tenho meu próprio negócio e me considero uma empresária de sucesso”, orgulha-se.

Ter ficado com a guarda da criança, segundo ela, foi o melhor impulso que poderia receber. “Nos dias em que eu estava cansada, triste ou com preguiça, bastava olhar para o lado e ver que ela precisava de mim. Não dava tempo de ficar parada. Tinha que correr atrás. E foi pensando nela que tomei minha decisão: ela vai preferir uma mãe infeliz e casada ou separada e feliz?”



Ter a própria renda é fundamental

Pedir ajuda para reorganizar a vida pode ser um passo importante para quem está em processo de separação. Reestruturar as finanças é algo que requer atenção, raciocínio e muito planejamento. Justamente por ser difícil conciliar esse processo com um estado emocional fragilizado, a dica é recorrer a amigos, à família ou a especialistas em consultoria financeira. A dificuldade é ainda maior quando, antes de se casar ou quando nasce o primeiro filho, a mulher opta por parar de trabalhar. Após ficar afastada do mercado de trabalho por anos, as possibilidades de ingressar na área de interesse tendem a ser menores, dificultando ainda mais o rearranjo financeiro pós-divórcio.

Myrian Lund, professora de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que deixar o emprego pela família é uma opção, mas nem por isso as mulheres devem ficar completamente desprevenidas para a hipótese de o casamento acabar. “Faça uma poupança à parte. Essa é a regra. Ninguém precisa fazer isso pensando no divórcio, mas aquela reserva é sua. Ninguém tem que tomar conhecimento. Esse dinheiro deve sair das despesas da casa. É ele que vai dar liberdade, um suspiro, em um caso de emergência”, recomenda a especialista.

Ter dinheiro em caixa ajudaria também em outras conquistas. “Gera satisfação, sensação de liberdade, de poder, de capacidade. Se você trabalhasse fora também teria como juntar. Isso vai crescendo mês a mês, de pouquinho, mas pense sempre em guardar pelo menos 10% do valor repassado para as despesas”, completa a especialista.

Cristina* parou de trabalhar logo antes do casamento. “Eu era concursada, tinha estabilidade, mas ele era empresário, gostava de viajar, e eu optei por ficar livre para acompanhá-lo”, lembra. Depois de 20 anos se dedicando à família, o casal de separou. “Eu o ajudava na empresa, mas de maneira esporádica e informal. Nós éramos sócios, mas foi só durante o divórcio que descobri que tínhamos bens que eu nunca conheci.”

Ainda que a situação financeira do casal fosse boa — eles tinham quatro carros e moravam no Plano Piloto —, era preciso passar as contas a limpo. Como ela não tinha qualquer renda e os filhos estudavam em escola particular, por mais que tenha ficado com o apartamento, não tinha condições de mantê-lo. Completamente alheio às dificuldades que os próprios filhos teriam de enfrentar, o marido se escondeu e não ajudava nas finanças.

Caos financeiro
A escola deixou de ser paga. Combustível, condomínio e até comida começaram a faltar. “Durante quase dois anos, eu e meus filhos passamos por uma situação extremamente difícil. Conseguíamos R$ 200 por mês com o aluguel da vaga de garagem. Eu tentei vender doces, dar aula, trabalhar em casa de família, mas nada disso elevou a nossa renda”, relata Cristina. Mesmo após tanto esforço, ela nunca mais conseguiu um emprego formal. “Foi uma barreira intransponível para mim. E não apenas pela idade, mas pelo fato de ter ficado tanto tempo fora do mercado.” O processo foi ainda mais longo porque ela não conseguia um advogado que tratasse o caso com imparcialidade. “Eu só consegui alguma coisa quando busquei a Defensoria Pública. As pessoas precisam saber que eles atendem a todos que não podem pagar, seja qual for o motivo”, recomenda.

Recebendo o atendimento gratuito do governo, ela conseguiu que a Justiça obrigasse o ex-marido a pagar pensão. “Hoje, recuperamos um pouco da vida que tivemos no passado. Mas o meu carro continua o mesmo daquele tempo, nunca pude fazer reforma na casa, viajar. Minha prioridade foi dar educação aos meninos”, diz, orgulhosa. “Até hoje a partilha não saiu. Mas ainda não faço planos com esse dinheiro.” O sonho de Cristina, agora, é conseguir voltar a trabalhar.

*Nome fictício a pedido da entrevistada