Sobram médicos e falta assistência de qualidade na capital do país. O Distrito Federal lidera o ranking do número de profissionais de saúde por habitante: são 5,42 para cada mil brasilienses, proporção bem maior do que a média nacional, de 3,33. Os pacientes da rede privada têm à disposição um total de médicos 77% superior ao restante do Brasil. No caso dos atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o contingente nos hospitais é 50% maior. A fartura de recursos humanos, no entanto, não se traduz em serviços satisfatórios para a população, nos setores público e privado.
Os dados do DF constam em uma radiografia inédita divulgada ontem pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A entidade encomendou a pesquisa para contestar o argumento das autoridades de que faltam médicos no mercado. Em todo o país, o número de profissionais saltou 530% nos últimos 30 anos. Somente na capital federal, há 10,3 mil médicos em atividade. O problema, indica o levantamento, está na distribuição deles. Especialistas ouvidos pelo Correio completam a lista de fatores que afligem o sistema de saúde: gestão ineficiente, formação precária e ausência do Estado.
As reclamações em hospitais, sejam eles públicos ou privados, são cada vez mais constantes. Conseguir ser atendido ; e bem ; virou desafio: longas filas, poucos médicos para muitos pacientes, funcionários despreparados e diagnósticos feitos em minutos, sem examinar devidamente quem chega ao consultório. ;Só poderíamos celebrar o maior número de médicos do país se o sistema estivesse satisfazendo minimamente a população;, comenta o titular da Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus) do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Jairo Bisol.
Sem atendimento
Para os pacientes da rede pública, os números da pesquisa não condizem com a realidade. Cleiton José Bragança, 29 anos, auxiliar de serviços gerais, passou a tarde de ontem à espera de atendimento para o filho, Alex, 9. O menino machucou o braço ao cair de uma árvore no Novo Gama (GO). Depois de ir aos hospitais regionais do Gama, das asas Sul e Norte, pai e filho acabaram no Hospital de Base do DF. ;Nos três primeiros, me informaram que não havia ortopedista. Aqui, não quiseram fazer minha ficha porque moro no Entorno;, reclamou. ;A rede pública é uma porcaria. Quando a gente precisa, nunca consegue atendimento.;
Os hospitais do DF recebem diariamente centenas de pacientes de outros estados. A demanda externa, na avaliação do promotor Jairo Bisol, não pode justificar o atendimento precário. ;Falta médico em todos os setores da Secretaria de Saúde;, destaca. ;Os números do CFM confirmam a incapacidade do governo em aproveitar os recursos humanos existentes;, completa o presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Marcos Gutemberg Fialho. A Secretaria de Saúde não se pronunciou ontem sobre o levantamento do CFM.
Dificuldades
Os números divulgados mostram que, no DF, pacientes da rede privada têm 4,63 vezes mais médicos do que os do sistema público. ;O cenário do DF revela uma grande concentração na rede privada ou uma ausência do Estado;, avalia o coordenador do levantamento e pesquisador da Universidade de São Paulo, Mário Scheffer. A discrepância, porém, não livra os usuários das dificuldades. ;Apesar de ter profissionais suficientes, a rede privada não tem conseguido prestar um bom serviço;, avalia Gutemberg, antes de lembrar que consultas chegam a ser agendadas com seis meses de antecedência.
No mês passado, uma autônoma, que preferiu não se identificar, contou que levou oito horas para ser atendida em um hospital particular. Ontem, ela voltou para tratar uma dor de garganta. A paciente não acredita que o número de médicos seja grande e questiona a qualidade do serviço. ;A quantidade parece a mesma há anos. Já que tem tanto médico, como diz a pesquisa, a saúde poderia ser melhor;, afirmou. ;Tudo para eles (os médicos) é virose e indicam analgésico e anti-inflamatório. Por ser a capital do país, o serviço deveria ser de excelência;, acrescentou a servidora pública Bárbara de Freitas, 45.
Só poderíamos celebrar o maior número de médicos do país se o sistema estivesse satisfazendo minimamente a população;
Jairo Bisol, promotor de Defesa da Saúde do Ministério Público do DF e Territórios