Ao olhar o sorriso maroto de dona Geralda Oton de Lima, 88 anos, e a seriedade de seu Antônio Augusto de Lima, 97, é fácil matar a charada: são opostos que se completam. Assim como nos romances literários, o casal protagoniza uma linda história de amor. A diferença é que tudo é real. Há sete décadas, o coração desses dois apaixonados bate mais forte, dia após dia. Amanhã, os pombinhos farão 70 anos de casados, completamente lúcidos. A festa, e não é para menos, começou dois dias antes da data oficial, no Condomínio Ilhas do Lago, às margens do Lago Paranoá.
Não há quem narre um trecho da história sem marejar os olhos. Os filhos não escondem o orgulho do casal que venceu todas as barreiras vividas por amores eternos. O primeiro encontro foi acaso do destino. Ela, uma estudante de colégio de freiras, aos 18 anos, e ele, professor substituto, aos 27, em Currais Novos, cidade do Rio Grande do Norte. ;Augusto se apaixonou primeiro. Na época da escola, eu não tinha interesse por ele;, conta a senhora, independente como sempre foi. Noivo de outra moça havia oito anos, o compromisso não impediu que o contador se rendesse aos encantos da aluna espevitada.
Geralda formou-se e, após desmanchar o noivado, o professor logo convidou-a para sair. ;Íamos a uma praça todos os domingos, onde os namorados se encontravam;, lembra-se. Nem mesmo a distância desanimava Augusto de demonstrar seu amor. Produzido com um terno de linho branco, o jovem viajava 200 quilômetros de barco para visitar a dona do seu coração, quando ela passava férias na praia com os pais. Passados seis meses, o amor não podia mais esperar. O pedido tradicional de casamento foi feito à mãe da namorada, viúva à época. A espera pela resposta durou um mês. E, então, o aguardado sim foi concedido.
Em 22 de novembro de 1941, Geralda entrava na igreja de véu e grinalda, com sorriso de fora a fora. ;Eu estava muito feliz;, relembra a matriarca. No ano seguinte, veio o primeiro filho, dos 11 concebidos pelo casal.
Pioneiros
Servidor do Banco do Brasil, Augusto chegou a ser transferido para várias cidades, sempre carregando a amada e os frutos do casamento. Até que um dia, Brasília lhe pareceu um bom lugar para firmar território e construir a família dos seus sonhos. Convidado pela instituição financeira, o progenitor não pensou duas vezes e trouxe os herdeiros e a mulher. Em 12 de março de 1962, o cearense se instalou na Asa Sul. Pioneiros da capital federal, os dois ainda escrevem a história no mesmo local desde que chegaram, a quadra 308 Sul. ;Até hoje, meu pai fica azul de fome, mas só come junto da minha mãe. Ela sai para a igreja, vai visitar as amigas, mas todas as vezes ele a espera, até sua chegada, demore o quanto for;, narra Regina Lima, uma das filhas dos companheiros.
Sempre sereno, o romântico senhor aposentou-se pelo banco. Geralda, entretanto, não se conteve em ser apenas dona de casa. Fez curso de primeiros socorros para cuidar dos filhos, de fotografia, de computação, de pintura e até de inglês. Hoje, com uma visão perfeita, a religiosa se dá ao luxo de ser artista plástica. Segundo ela, o enlace duradouro não tem segredo. ;É preciso apenas muito amor e paciência;, ensina a receita.
Todos os filhos estudaram em antigas escolas públicas da capital, como Caseb e Elefante Branco, e formaram-se nas primeiras turmas da Universidade de Brasília (UnB). A matriarca faz questão de frisar: ;São três médicos, cinco engenheiros, duas arquitetas e uma jornalista;. Os netos já somam 24. Thaís Lima, veterinária, 24 anos, emociona-se ao descrever a cumplicidade vivida pelos avós. ;A gente acaba tendo vontade de construir uma família igual. Eles souberam abrir mão de algumas coisas e sempre demonstraram respeito um pelo outro.;
Agora, a quarta geração dos Otons de Lima carrega a responsabilidade de continuar a escrever parte do romance que nasceu de dois corações puros e apaixonados. Os sete bisnetos ainda são crianças. O mais velho tem 13 anos. Contudo, já sabem que podem contar com um belo exemplo de vida para seguir. ;Tem gente que não chega nem aos cinco anos juntos. Eles têm muita força, e eu tenho prazer de contar para as pessoas que meus bisavós têm 70 anos de casados;, encerra orgulhosa a bisneta Júlia Simão, 11 anos.