A maior ocupação irregular do Distrito Federal será registrada em cartório, depois de mais de duas décadas na ilegalidade. O processo para a liberação da escritura dos 1,8 mil hectares de Vicente Pires está na Corregedoria do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e, a expectativa é de que o documento seja expedido até o fim do mês. Esse será o maior avanço na regularização da cidade, que hoje abriga quase 60 mil pessoas. A escritura unificada de toda a gleba sairá em nome da União e, só depois de aprovados os processos urbanísticos e ambientais, os moradores poderão receber os documentos individualizados de cada lote. Antes, no entanto, os ocupantes terão ainda que pagar pelos terrenos.
O processo de registro em cartório da região de Vicente Pires se arrasta há mais de três anos. A área pertencia à família de Eduardo Dutra Vaz, mas foi desapropriada à época da criação de Brasília. Como a terra nunca passou efetivamente para a propriedade do governo federal, desde 1959, um processo judicial correu na 14; Vara Federal de Justiça de São Paulo. A União e o espólio de Dutra Vaz eram parte na ação. Ao fim do processo, a Justiça Federal resolveu a pendência e autorizou o 3; Ofício de Registro de Imóveis, em Taguatinga, a liberar a escritura de Vicente Pires.
O cartório fez uma série de exigências, e todas foram cumpridas. Ainda assim, os funcionários do 3; Ofício mandaram o caso para a Corregedoria do TJDFT, que fiscaliza todos os cartórios do Distrito Federal. Os responsáveis pela unidade de Taguatinga alegaram haver dúvidas com relação ao processo de Vicente Pires. O caso está nas mãos do desembargador Sérgio Bittencourt, corregedor da Corte. Ontem à tarde, moradores da cidade foram ao Tribunal de Justiça pedir mais agilidade na análise da documentação, para que o cartório possa entregar a escritura à União.
Na semana passada, durante a cerimônia de assinatura dos decretos de regularização dos condomínios Vivendas Lago Azul e Lago Sul, a superintendente de Patrimônio da União, Lúcia Carvalho, falou sobre o caso durante o discurso que fez no Palácio do Buriti. Ela pediu publicamente ao governador Agnelo Queiroz que intercedesse perante a Corregedoria do TJDFT. ;Só falta um ;sim; do desembargador Sérgio Bittencourt. Com isso, poderemos passar a área à Terracap, que fará a venda aos moradores;, comentou Lúcia Carvalho.
Atestado judicial
O documento que faltava para o registro em cartório de Vicente Pires era a carta de ajudicação, que foi expedida pela Justiça Federal de São Paulo. Esse documento é o atestado judicial de transferência da propriedade de um imóvel. Com ele, a União passou a ser oficialmente proprietária da área, já que, até então, havia pendências com o espólio Dutra Vaz. Ontem, o desembargador Sérgio Bittencourt determinou a intimação do Ministério Público Federal, do Ministério Público do DF e Territórios e da Procuradoria do GDF para que se manifestem sobre o registro. O magistrado quer saber se há divergências na poligonal da cidade e deu prazo de 15 dias para que os órgãos respondam a intimação.
A carta de ajudicação foi entregue ao 3; Ofício de Registro de Imóveis, que fez também uma série de outras exigências. A Secretaria de Patrimônio da União teve que entregar ao cartório a demarcação da poligonal da região, realizada por meio de georreferenciamento, e o detalhamento de todas as áreas urbanas e rurais de Vicente Pires. No caso das chácaras, foi preciso demarcar a reserva legal. Para finalizar, o cartório determinou a anuência de vizinhos e de órgãos do governo local, como o Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
Críticas
A decisão do 3; Ofício de Registro de Imóveis de enviar o caso à Corregedoria gerou críticas. Para a administradora regional de Vicente Pires, Maria Celeste Rego Liporoni, não havia necessidade de consultar o tribunal. ;Não esperávamos por isso, pois, certamente, teremos um atraso que não é necessário. Agora, é esperar que a Corregedoria devolva no menor prazo possível.;
O vice-presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires, Glênio José da Silva, reclama da lentidão. ;Isso está parecendo uma novela, o cartório não libera a escritura, mesmo com a decisão da Justiça de São Paulo, que autorizou o registro;, comenta Glênio. ;Se demorar para sair essa escritura, a União não poderá passar a área para a Terracap. Depois do registro, faltará apenas a aprovação dos projetos urbanísticos e ambientais, que já estão prontos, e a análise no Conselho de Planejamento Urbano e Territorial do DF (Conplan);, comenta o presidente da associação, Dirsomar Chaves, que também é secretário de Micro e Pequenas Empresas do GDF.
O projeto urbanístico de Vicente Pires já está pronto e falta apenas uma audiência pública para a aprovação. Os estudos ambientais também foram concluídos e estão no Instituto Brasília Ambiental, que emitirá a licença ambiental de instalação, caso não haja pendências. A comunidade tem pressa na regularização por conta das obras de urbanização da área. O escoamento das águas pluviais foi implantado parcialmente e a conclusão depende da legalização das terras.
O governo local se comprometeu a investir todo o dinheiro arrecadado com a venda dos 15 mil lotes na urbanização de Vicente Pires. Não há valores definidos, mas o Ministério Público Federal defende a regularização pelos preços de mercado.
História
Vicente Pires se transformou em uma região administrativa autônoma em 2009. Até então, os lotes da área estavam sob a responsabilidade da Administração Regional de Taguatinga. A cidade, que já foi núcleo rural, está em local estratégico do Distrito Federal, ao lado de regiões importantes, como Guará, Águas Claras, Park Way e Taguatinga.