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Apreensão de carne clandestina é mais do que o dobro registrada em 2010

A aparência é repulsiva e o forte mau cheiro causa enjoo instantâneo. Algumas peças de carne estão corroídas por vermes e outras, de tão podres, impressionam até os fiscais mais experientes. Nem mesmo as baixas temperaturas das câmaras refrigeradas são capazes de impedir que o odor do material em putrefação se alastre. Apesar de repugnantes, esses produtos podem acabar na mesa dos brasilienses. Todos os anos, toneladas de carne clandestina, muitas vezes imprópria para o consumo, chegam a restaurantes, mercados, açougues e feiras. Só nos nove primeiros meses deste ano, as equipes de fiscalização apreenderam 67 toneladas de produtos de origem animal irregulares. Esse total é mais do que o dobro registrado em 2010, quando os fiscais tiraram das ruas 30 toneladas desse material.

A venda de carne clandestina representa um prejuízo aos cofres públicos, já que os produtos são comercializasssdos sem nenhuma tributação. Mas essa prática é, sobretudo, um grande risco à saúde pública. Alguns consumidores ignoram a procedência suspeita da carne e compram sem conhecer a sua origem e os seus perigos. Mas há compradores que sabem da irregularidade e, mesmo assim, insistem em adquirir carne clandestina porque os preços são mais baixos do que os da vendida nos açougues legalizados.



Na maioria das vezes, os produtos irregulares chegam ao mercado depois de abates realizados em desacordo com as normas sanitárias. Bois e porcos são mortos em locais insalubres e os funcionários dos abatedouros clandestinos manuseiam as carcaças sem seguir nenhuma regra de higiene, como a lavagem dos utensílios. Pela legislação, todos os locais de abate devem ser fiscalizados por veterinários, que verificam o estado de saúde dos animais para evitar que carne contaminada seja vendida aos consumidores. Sem esse controle, os riscos para o comprador dos produtos se multiplicam.

Selo
Para fazer o abate e vender produtos como carne, além de queijo e outros materiais de origem animal, o comerciante precisa do selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). Esse registro é o atestado de qualidade dos produtos de origem animal. Se a mercadoria for vendida na mesma unidade da Federação em que houve o abate, basta o Selo de Inspeção Estadual ou Distrital, no caso do DF. Esse registro, no entanto, não autoriza o trânsito entre diferentes unidades da Federação. Uma peça de carne com selo de Goiás, por exemplo, não pode entrar no Distrito Federal.


Existem, portanto, dois tipos de carnes irregulares na mira da fiscalização. As equipes apreendem o material sem nenhuma certificação de origem e também levam para os depósitos os produtos com registros de outros estados, mas que não apresentam o SIF. A carne de abatedouros clandestinos vai direto para a incineração e o material que tem certificado de origem de outros estados segue para os laboratórios do governo. Se os produtos tiverem condições de consumo, são doados a instituições de caridade cadastradas pelo GDF.

Como controlar
Os consumidores devem observar se os produtos de origem animal têm o selo do Serviço de Inspeção Federal ou do Serviço de Inspeção Distrital. Além disso, é preciso verificar as condições de higiene do estabelecimento e se os manipuladores usam uniformes limpos.

Cuidado
O consumo de carne clandestina, sem registro de procedência, pode causar problemas de saúde, como intoxicação alimentar, além de doenças como a cisticercose, brucelose, tuberculose e raiva. Essas infecções podem levar à morte dos pacientes infectados.



Origem no Entorno

Quem controla o abate e o trânsito da carne é a Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal e Animal (Dipova), ligada à Secretaria de Agricultura. Assim que o material chega às prateleiras de supermercados, açougues e mercearias, a responsabilidade passa a ser da Vigilância Sanitária do DF. O gerente de Inspeção da Dipova, Cláudio Paiva, diz que as denúncias são a principal ferramenta da divisão para flagrar a circulação de carne clandestina. ;Além das nossas operações de fiscalização rotineiras, contamos com a ajuda da população, que denuncia a venda desses produtos ilegais;, explica.

Das 67 toneladas de produtos de origem animal apreendidas pela Dipova de janeiro a setembro, 30 toneladas eram de carne bovina e suína. O restante inclui produtos como queijos, iogurte, farinha de mandioca e outros materiais processados. Além da carne, é muito comum encontrar derivados de leite irregulares. No mês passado, os fiscais da Secretaria de Agricultura acharam um carregamento de queijos contaminados por urina de rato.

No caso da carne, a maioria do material clandestino vem da região do Entorno. Os produtos, muitas vezes, são transportados em veículos pequenos, para não chamar a atenção dos fiscais. Assim, a carne circula sem nenhum tipo de refrigeração. Peças inteiras são trazidas na caçamba de caminhonetes, à temperatura ambiente ; o que acelera muito o processo de deterioração.

Punição branda

O chefe do Núcleo de Fiscalização da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal e Animal, Fábio Azevedo, diz que as principais rotas de entrada da carne clandestina são as rodovias federais que ligam o Distrito Federal a Goiás, como a BR-020 e a BR-070. ;O Entorno é a principal origem do produto clandestino vendido no DF. Aqui, por conta da fiscalização e da falta de áreas para produção, há menos abatedouros clandestinos;, garante. Os fiscais trabalham principalmente à noite e de madrugada, nos horários preferidos pelos vendedores de carne irregular. As equipes também atuam nas estradas vicinais, não apenas nas grandes rodovias.

O DF tem hoje 181 estabelecimentos registrados, cujos produtos possuem o selo de inspeção. O governo espera que esse número salte para 300, até 2015. ;Nosso objetivo é tirar os produtores da ilegalidade;, comenta o gerente de Inspeção da Dipova, Cláudio Paiva. ;Além de dar mais segurança aos consumidores, essa é uma medida importante para a economia do Distrito Federal, já que vai representar um incentivo à produção local;, acrescenta.

Penalidade
Quem é flagrado com produtos irregulares responde por crime contra a ordem econômica e por infração ao Código de Defesa do Consumidor. Os responsáveis pela carne clandestina podem ser condenados a uma pena de até três anos de prisão. Como a punição é branda, os comerciantes ilegais não se inibem com as operações de fiscalização, mesmo quando há a presença da Polícia Civil. A titular da Delegacia do Consumidor, delegada Suzana Orlandi Machado, conta que a maioria da carne clandestina vai parar em açougues de cidades na periferia, em mercados pequenos e, principalmente, em restaurantes. ;Já pegamos muitos açougues com carne clandestina que vendiam para restaurantes grandes e conhecidos;, diz.

Somente este ano, os fiscais da Dipova já realizaram 87 blitzes e abordaram pelo menos 3 mil veículos suspeitos. Os funcionários da divisão da Secretaria de Agricultura também receberam 30 denúncias sobre a venda de produtos de origem animal clandestinos. Além da ação criminal, os comerciantes de material irregular respondem a processo administrativo e podem receber uma multa de R$ 2,5 mil. Esse valor pode ser multiplicado em até 50 vezes. (HM)

Onde reclamar
Para denunciar a venda de carne clandestina ou obter informações sobre o assunto basta ligar para o telefone 3349-4103.