Dois cemitérios centenários no Distrito Federal se encontram em total estado de abandono. Construídos para guardar a memória de pessoas pertencentes a famílias tradicionais de Planaltina e Brazlândia, as unidades se tornaram um perfeito esconderijo para criminosos. Moradores relatam que, entre os túmulos depredados e o mato alto, ocorrem brigas entre usuários de drogas e até estupros. Os terrenos onde estão sepultados pelo menos mil corpos foram desativados há mais de 50 anos. Uma das tumbas abriga os restos mortais de Salviano Monteiro Guimarães, um dos personagens mais ilustres de Planaltina, que contribuiu para o progresso da região e morreu em 1926. Já o de Brazlândia concentra centenas de sepulturas dos ancestrais da família Braz, a primeira a ocupar as terras e que inspirou o nome da cidade de 53 mil habitantes.
Uma volta pelo Cemitério São Sebastião, em Planaltina, revela o descaso com a história. Crucifixos quebrados, lápides arrancadas e sepulturas violadas são a prova de que o lugar não foi preservado. Sem fiscalização, a área de cerca de 20 mil metros quadrados passou a ser usada como depósito de lixo. Restos de animais mortos, latas de cerveja e resíduos de obras são lançados no espaço, agredindo ainda mais a lembrança dos primeiros moradores da região administrativa.
Neta de Salviano Guimarães, a professora de música Dinalva Maria Guimarães se revolta ao comentar a situação do cemitério onde o avô está enterrado. ;Pouca gente sabe, mas o túmulo do meu avô foi doado por Getúlio Vargas em reconhecimento ao trabalho que ele desempenhou aqui. Ele trouxe o progresso para a região e os governos recentes pisam na história dele e de outras famílias que contribuíram para a construção de Planaltina;, reclama.
Em Brazlândia, a situação é ainda pior. Quem entra pelo portão principal demora a perceber que ali é um cemitério. A vegetação cobriu a maioria dos túmulos. O mato em alguns pontos ultrapassa os dois metros de altura. Poucos se atrevem a visitar os jazigos que ainda resistem ao tempo devido à insegurança. Vizinhos contam que, em alguns dias, o local se transforma em boca de fumo e motel a céu aberto.
Projeto
Os cemitérios fantasmas não são administrados pela empresa Campo da Esperança. O responsável por tomar conta dos locais é o GDF, que pouco tem feito. Em 2009, o então secretário de Justiça, Flávio Lemos, apresentou ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) um projeto para construir espaços de lazer nas áreas onde estão os cemitérios. A ideia era exumar todos os restos mortais, com consentimento das famílias, e levá-los para um dos seis cemitérios da Campo da Esperança. No entanto, a proposta naufragou quando a Operação Caixa de Pandora foi deflagrada.
O promotor Diaulas Ribeiro, da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida), que acompanhou o debate sobre a mudança de destinação das áreas, disse que a ideia era criar uma praça em memória dos mortos, com arquitetura compatível com a história da cidade. ;Eu disse que era contra remover o cemitério para construir casa ou prédio, mas considero extremamente positiva a proposta de fazer uma praça com equipamentos disponíveis ao público;, afirmou Diaulas.
[SAIBAMAIS]Ele explicou ainda que todo o processo de transição seria debatido com a comunidade, principalmente com as famílias. ;Faríamos uma audiência pública, ouviríamos os parentes para discutir a ideia, mas tudo isso foi arquivado com a implosão do governo anterior. O Ministério Público não faz projeto e, sim, fiscaliza. Se o atual governo quiser retomar o projeto, vamos contribuir no sentido de ordenar essa remoção;, complementou Diaulas.
O administrador de Brazlândia, Bolivar Rocha, disse que a primeira providência será determinar uma limpeza no velho cemitério. Ele ainda garantiu que irá discutir com técnicos do setor a possibilidade de remover a unidade. ;Hoje (ontem) mesmo, vou expedir uma circular para limpar esse terreno. Quanto a dar outra destinação àquela área, é preciso ter cautela para saber quais medidas legais existem para fazer algo dessa natureza;, ponderou Bolivar.
O Correio foi até a Administração de Planaltina e ligou várias vezes para tentar falar com o administrador, Nilvan Pereira de Vasconcelos, mas ele não foi encontrado.