Imagine uma cidade da Região Centro-Oeste do Brasil, onde todos falam italiano, em meio a lagos com gôndolas, monumentos com colunas romanas, praças com chafarizes e ruas com estátuas clássicas. O prefeito de Nova Veneza, município a 40km de Goiânia, 200km de Brasília e mais de 9 mil km da Itália, vislumbra esse cenário. Luiz Antônio Stival Milhomens (PSDB) não tem economizado esforços nem dinheiro para concretizar o sonho dele. Já conseguiu R$ 1 milhão do Ministério do Turismo e gastou cerca de R$ 100 mil dos cofres municipais para executar os projetos.
Milhomens começou a tirar os planos do papel em 2005, quando assumiu a prefeitura. Desde então, mandou pintar de verde, vermelho e branco ; as cores da bandeira da Itália ;, mil postes de iluminação, todas as paradas de ônibus e bancos das praças. Ele também construiu um prédio de dois pavimentos com colunas romanas na fachada. E, para se sentir ainda mais como os bisavós italianos, obriga todos os estudantes da rede municipal de ensino a aprender a língua do país das massas. As crianças do ensino fundamental não têm opção de estudar inglês ou espanhol.
A justificava do prefeito para tanto empenho em transformar a cidade na ;Veneza goiana; ; slogan criado por ele ; está na origem do município de 8 mil habitantes, que arrecada R$ 400 mil mensais e gasta 48% com pagamento dos 340 funcionários públicos. ;Somos a única colônia italiana no Centro-Oeste (leia Memória). Tínhamos que criar um projeto para resgatar a nossa identidade;, pondera. Para tornar obrigatória a disciplina do italiano, ele usa o argumenta de uma suposta presença maciça de imigrantes. ;Assim, os meninos vão poder conversar com os avós, os bisavós.;
No entanto, não há mais italianos em Nova Veneza. Nem mesmo filhos de imigrantes. No máximo, netos, bisnetos, tataranetos e viúvas de europeus nascidos na terra de famosos artistas, como Rafael, Michelangelo e Leonardo da Vinci. E essa parte da cultura da Itália não é ensinada nas escolas do município. Nem história, geografia, política ou economia daquele país. Aliás, as aulas de italiano se restringem a lições orais e a exercícios no obsoleto quadro-negro, aplicados pelo único professor da língua na cidade, Jean Marcos do Carmo. Nascido em Nova Veneza, ele morou cinco dos 35 anos na Itália.
O educador diz ensinar o elementar. ;As crianças aprendem as saudações, as cores e os números;, conta. O Correio esteve na escola municipal Tereza Zanini Peixoto e acompanhou parte de uma aula de italiano. No pátio da unidade, as 15 crianças de 8 a 12 anos entrevistadas disseram não saber mais do que ;bom dia;, ;boa tarde; ou ;boa noite;. Também contaram nunca ter usado a língua estrangeira fora da sala de aula. Quase todas afirmaram preferir o inglês, para entender as letras de músicas de sucesso nas rádios e as legendas dos jogos eletrônicos.
Orgulhosa, a secretária de Educação de Nova Veneza, Maria do Carmo Basílio, 47 anos, diz ter iniciado no italiano cerca de 1,2 mil conterrâneos (15% do total). ;É um grande avanço para a nossa comunidade, pois agora as crianças podem entender o que os avós e os bisavós dizem;, ressalta ela, sustentando um dos argumentos do prefeito. Além da ausência de italianos, o município não tem placas na língua dos seus fundadores. Na culinária, somente uma cantina mantém a tradição das massas caseiras, mas ela fecha durante o almoço. De frente para a praça principal, só funciona no jantar.
À moda goiana
Em mais uma iniciativa para dar ares italianos à cidade, Milhomens criou o Festival Italiano de Gastronomia e Cultura de Nova Veneza, que chegou à sétima edição em 2011. Ocorre sempre em maio, tem atrações como o Carnaval de Máscaras ; alusivo ao evento de mesmo nome, criado na Veneza da Itália ; e um festival de massas ;com adaptações goianas;, que incluem queijos e temperos locais. Outra obra do tucano é uma minúscula ponte de madeira sobre um ainda menor lago artificial, na praça central. ;É uma réplica da ponte dos namorados de Veneza;, jura o prefeito.
Milhomens, que nunca esteve em Veneza nem em outra parte da Itália, não sabe explicar o que é a tal ;ponte dos namorados; original. Para as suas criações, diz buscar inspiração em histórias contadas pelos ;italianos de Nova Veneza;. ;E se eu gosto da ideia, vou até o fim;, garante. Com essa determinação, ele conseguiu quase R$ 1 milhão do Ministério do Turismo para construir o portal romano no acesso ao município para quem vem de Goiânia, obra que pretende inaugurar em maio. Já o lago será formado a partir da contenção de um córrego. Quando estiver pronto, em dezembro de 2012, Milhomens mandará colocar a réplica de uma gôndola, ;importada; da Nova Veneza catarinense.
Para ;buscar novas ideias;, o prefeito planeja a primeira viagem à Itália e a Veneza. ;Estou buscando verba na embaixada italiana. Se tudo der certo, uma comitiva nossa viajará no fim do ano;, diz, sem falar quantas pessoas irão, quem são elas, quanto custará o passeio e quem pagará as despesas. Enquanto isso, Milhomens aguarda a colheita da parreira de uvas plantada no quintal do Palácio Municipal ; a prefeitura, um prédio de um pavimento, um corredor e oito salas ; para começar a produção de vinho. ;Temos consultado vários especialistas;, destaca. Ele também tenta convencer os moradores e os comerciantes a patrocinar desenhos com cenários de Veneza, em alto relevo, em muros, como a prefeitura fez em duas escolas.
Pioneirismo
Com mais de 95% da população de descendentes italianos, Nova Veneza (SC) carrega o título de ;primeira colônia oficialmente instalada no Brasil;. Os primeiros imigrantes italianos foram trazidos pela empresa norte-americana Ângelo Fiorita & Cia. Miguel Napoli, italiano de Sicília, em junho de 1891. Eram 400 famílias. Em outubro de 1888, chegaram mais 500, oriundas das regiões de Veneza e de Bergamo, e fundaram a Colônia Nova Veneza.