Jornal Correio Braziliense

Cidades

Quase 80% dos motoristas parados em blitzes se recusam a fazer bafômetro

Dados inéditos do Batalhão de Trânsito da PM revelam que quase 80% dos motoristas parados em blitzes se recusam a fazer exames para atestar o grau de alcoolemia. Entre os que se submetem ao teste, quase metade apresenta nível de álcool considerado crime.

A proibição de dirigir alcoolizado é reiteradamente desrespeitada no Distrito Federal. E quem ignora a lei também faz de tudo para escapar da punição. Dos 5.109 condutores abordados pelo Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) no ano, 3.976 (77,8%) se recusaram a assoprar o bafômetro ou a fazer o exame de sangue para atestar o grau de alcoolemia. Não escaparam por completo da punição, pois os policiais emitiram um auto de constatação por notórios sinais de embriaguez.

Os dados revelam uma situação ainda mais grave. Quase metade dos motoristas submetidos ao bafômetro apresentaram concentração superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, ou seja, cometeram o crime de assumir o volante sob o efeito de bebida. As estatísticas incluem só as abordagens realizadas pelo BPTrans, pois o Departamento de Trânsito (Detran) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) não fazem esse tipo de detalhamento.

Na noite da última quinta-feira, o Correio acompanhou uma blitz do BPTran na Quadra 100 do Sudoeste. Percebeu que muitos motoristas fogem ou se recusam a fazer o teste. Um condutor, por exemplo, tentou escapar do cerco policial. Mas os militares o perseguiram e constataram a embriaguez. Ele se recusou a fazer o exame e acabou autuado do mesmo jeito.

A estudante Juliana Carvalho da Silveira, 35 anos, moradora do Cruzeiro, rejeitou a avaliação, mas garantiu que não bebeu. ;Eu faço o uso de glicose. Com certeza, vai dar alguma alteração, mas, como estou sem o remédio ou a receita aqui, não tenho como provar que não bebi;, argumentou. Como se recusou a fazer o teste, ela foi notificada. Receberá uma multa de R$ 957. ;Estava levando a minha amiga em casa, não bebi, mas optei por não fazer o teste por causa do meu problema de saúde.;

O pedido para que se submetesse ao bafômetro irritou um homem que não quis se identificar. ;Eu não bebi e entreguei toda a documentação. Acho uma perda de tempo e desperdício de material fazer o teste para comprovar isso, enquanto outros estão por aí dirigindo alcoolizados;, justificou. Por fim, ele aceitou fazer o teste e comprovou que não havia ingerido bebida alcóolica.

Recorde

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a sensação de impunidade pode ser o motivo dos recordes de autuação. No DF, ela tem sido alimentada de duas formas. Primeiro, com menos agentes e policiais militares do BPTran nas ruas. Depois, com a demora em suspender a habilitação de quem ignora a legislação. ;Quando a lei entrou em vigor, eram cerca de 40 homens por noite. Agora, atuamos com 18. Assim como para o Detran, a falta de efetivo é um problema para nós;, afirmou o major Roberto Roballo, subcomandante do BPTran.

Mas nem mesmo o arrefecimento da fiscalização faz o número de autuações despencar. Em 2010, foram 10.002, um aumento de 46% em relação a 2009, quando houve 6.838 registros no auge do rigor do combate à alcoolemia ao volante. Até o último dia 24, os órgãos envolvidos nesse tipo de trabalho realizaram 8.082 flagrantes.

Entre janeiro e setembro, 3.355 condutores tiveram a habilitação suspensa por desobedecer à legislação. O diretor-geral do Detran, José Alves Bezerra, informou que os servidores da área zeraram os processos antigos e, agora, priorizam os casos de quem acumulou mais de 20 pontos. ;Hoje, quem é pego alcoolizado ao volante é chamado na mesma semana para assinar o processo. Já os casos de pontuação na carteira a prioridade são os de 2008 para cá para não prescrever o prazo de punição.;

Duas decisões, uma do Supremo Tribunal Federal (STF) e outra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), beneficiaram os infratores (leia Para saber mais). Titular da 1; Vara de Delitos de Trânsito, o juiz Gilberto Pereira de Oliveira diz que no primeiro ano da lei seca chegavam, em média, 100 processos criminais por semana de condutores flagrados. Agora, não passa de 20 por semana. ;No começo, a pessoa ainda fazia o teste. Ao descobrir que não era obrigada, ela passou a se recusar. É uma coisa ensinada de boteco em boteco;, afirmou.

Infratores beneficiados
Em outubro do ano passado, decisão inédita do STJ foi recebida como um golpe à Lei Federal n; 11.705/08, a lei seca. Os ministros extinguiram o processo criminal contra um motorista paulista que, alcoolizado e na contramão, se negou a fazer o teste do bafômetro. Por unanimidade, decidiu-se que, sem o teste do bafômetro ou o exame de sangue, o condutor flagrado sob o efeito de álcool não pode ser processado criminalmente, ficando sujeito apenas às punições administrativas.

Em setembro deste ano, uma decisão dos ministros do STF beneficiou os motoristas alcoolizados que se envolvem em acidente de trânsito fatal. A 1; Turma desclassificou a denúncia contra um condutor paulista que atropelou e matou uma mulher em maio de 2002. Ele estava alcoolizado e dirigia em alta velocidade.

Três perguntas para - Gilberto Pereira de Oliveira - Juiz da 1; Vara de Delitos de Trânsito de Brasília

A sociedade demonstra o desejo de que motoristas flagrados alcoolizados sejam punidos com maior rigor. Mas na maioria dos casos não é isso o que ocorre. Por quê?
Está havendo uma campanha da imprensa para se transformar homicídio culposo (sem intenção de matar) no trânsito em homicídio doloso (com intenção). Isso eu não admito de jeito nenhum, como juiz e professor direito. O crime só existe na consciência de quem o pratica. A pessoa está na festa, não está querendo matar ninguém. Sai, atropela alguém e mata. Não agiu com dolo. Nem conhecia a pessoa.

Mas e para quem perde alguém nessas circunstâncias?
Para o homicídio doloso, a pena varia entre seis a 20 anos. Para o culposo, a mínima é de dois anos, e a máxima, quatro. Para uma pessoa que mata o outro e pega quatro anos, é muito pouco. Mas é a lei.

Então, se a sociedade quer penas mais duras para motoristas alcoolizados, tem de lutar por mudanças?
A morte de alguém da família causa um impacto poderoso. Quando se morre no trânsito, o sentimento de perda é o mesmo. Mas há uma conspiração psicológica do ponto de vista legal de que essa morte foi por culpa e não por dolo. O réu visita a família, vai pedir desculpa, lamenta. Mas muitas vezes esse crime culposo tem circunstância que magoa muito a família: o motorista estava alcoolizado e fugiu do local do crime sem prestar socorro. Ou os deputados mudam a lei ou os ministros criam uma nova jurisprudência.