No muro de um dos comércios da Quadra 84 do Céu Azul, bairro de Valparaíso (GO), mensagens que fazem apologia ao uso de drogas e à violência da região denunciam a criminalidade no local. Foi nesse mesmo endereço, no interior de uma lan house, que um adolescente acabou executado a tiros na noite de terça-feira.
O estudante Lucas Santos de Souza viveu apenas 13 anos. A tragédia fez a população relembrar outros episódios com o mesmo desfecho que tiveram como vítimas jovens do município. ;Não quero mais chorar pela morte de um jovem. Me dói ver isso. Aqui, a adolescência está perdida;, desabafou a aposentada Gisele Alves da Conceição Souza, 52 anos.
Lucas foi morto no momento em que disputava com um amigo de 12 anos um jogo que simula assassinatos no computador do estabelecimento. Por volta das 21h, as cenas virtuais se tornaram reais. Armado, um rapaz entrou no local e atirou em direção à vítima. Seis das balas atingiram a cabeça de Lucas e uma, o braço esquerdo de Maria*, 12 anos (veja Depoimento). Ela não corre risco de morte e já teve alta do hospital público da região. O autor dos disparos fugiu em seguida. Até o fechamento desta edição, o Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) de Valparaíso, unidade da Polícia Civil de Goiás (PCGO) responsável pelo caso, ainda não tinha iniciado as investigações do crime nem identificado o atirador.
A motivação do homicídio ainda é um mistério tanto para a polícia quanto para familiares, amigos e conhecidos do estudante. Lucas não tinha antecedentes criminais. Em luto, os parentes tentam entender o que aconteceu. Um tio, o pedreiro Arnaldo Alves Araújo, 39 anos, acredita que o autor tenha cometido um engano. ;Ele (o acusado) achou que meu sobrinho o tivesse entregado para a polícia, pois Lucas o viu agredindo um vigilante do colégio, mas não é verdade;, palpitou.
A quadra que foi palco do crime é conhecida pelos moradores e comerciantes do bairro como uma das mais perigosas da região. Poucos minutos antes de ocorrer o homicídio, a panificadora que fica ao lado da lan house baixou as portas. ;A padaria e a lan house são os últimos estabelecimentos a fecharem. O perigo é constante. É normal a gente encontrar os muros perfurados por balas. Aqui não é nada tranquilo;, afirmou o comerciário Rafael Almeida, 26 anos.
Estudioso
O Correio ouviu pessoas que conheciam o jovem há bastante tempo. Lucas foi descrito como uma pessoa calma, estudiosa, carinhosa e esforçada em tudo o que fazia. ;Eu nunca vi Lucas se envolvendo com coisa errada;, disse o garoto que estava com ele na hora da tragédia. ;Ele era elogiado pelos professores e nunca se envolveu em crimes e uso de drogas;, relembrou o padrasto do rapaz, o servente de obras Martins Alves dos Santos Neto, 40 anos.
O jovem cumpria uma rotina diária que incluía estudo, esportes e trabalho. Todos os dias da semana, ele acordava cedo, tomava o café da manhã com os irmãos, a mãe e o padrasto e seguia para a escola, em que cursava o 6; ano. Quando chegava o horário do almoço, voltava para casa. Às 14h, retornava à escola, onde participava de atividades extracurriculares. Duas horas depois, Lucas seguia para um supermercado na Quadra 84. No comércio, ajudava os clientes a levarem as compras até os carros. Às 20h, ele deixava o local.
As moedas que ganhava na porta do supermercado eram divididas com a mãe. Com a metade do dinheiro, Lucas comprava roupas e brinquedos. ;Desde que o comércio foi inaugurado, Lucas oferecia o serviço. Nunca nesse tempo vi atitudes vindo dele que incomodaram as pessoas. Tanto que depois de algumas confusões, só deixei que ele e mais outro trabalhassem lá na frente;, declarou a proprietária do estabelecimento, Josélia Leão, 30 anos.
Cliente do supermercado, a professora Rosângela Amorim, 50 anos, conhecia o adolescente desde que ele começou a oferecer os serviços na rua. ;Eu sempre dava um trocado para que ele levasse os pacotes com as compras até meu carro. Sempre me tratou muito bem e nunca vi mudanças no comportamento dele;, descreveu a docente.
Além da escola, Lucas costumava frequentar uma igreja católica da cidade, em que fazia a catequese. O velório do estudante está marcado para hoje pela manhã, no cemitério de Valparaíso (GO).
*Nome fictício em cumprimento ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)
Assassinatos
Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) apontam que no município foram registrados 93 homicídios de janeiro a outubro ; mês em que nove casos aconteceram. A taxa só é inferior à de Luziânia (GO), onde ocorreram 121 crimes nos 10 primeiros meses de 2011, sete deles neste mês.
Criança é baleada em Formosa
Uma criança de 1 ano e 2 meses foi atingida durante um tiroteio, na noite da última segunda-feira, em frente a uma residência em Formosa (GO). Além dela, três pessoas foram baleadas. Um homem não resistiu aos ferimentos e morreu. De acordo com informações da Polícia Civil do município, uma das vítimas era a mãe da criança. Ainda não se sabe o motivo dos disparos. Após o ocorrido, eles foram encaminhados ao Hospital de Base do DF (HBDF).
A vítima
Nascido em Montes Claros (MG), Lucas Santos Souza do Carmo se mudou de São Francisco (MG) para Valparaíso (GO) aos seis anos. Ele era o mais velho dos quatro irmãos. Adorava ler. Estudante de um colégio da rede pública da cidade goiana, o mineiro cursava o 6; ano. Dedicado, Lucas era elogiado pelas professoras. Quando não estava em companhia dos livros, gostava de jogar futebol com os amigos ou videogame, que era o passatempo preferido do adolescente.