Lucélia Silva Rodrigues, 19 anos, mantinha um relacionamento a distância com Ricardo Gomes Mendes, de 26, movido a ligações telefônicas e viagens de ônibus. Mas, numa das visitas ao namorado, ela retornou a Brasília com uma lembrança definitiva dele: estava grávida de uma menina. Depois do nascimento de Isabella, atualmente com 3 meses, o pai chegou a visitar a pequena, mas a distância fez com que o nome dele ficasse fora da Certidão de Nascimento da filha.
Como Isabella, milhares de crianças não têm garantido o direito do reconhecimento de paternidade. Para corrigir esse erro, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios organiza, desde 2002, o Programa Pai Legal nas Escolas (PPLE). Paralelamente a audiências públicas regidas pela Lei n; 8.560 (veja O que diz a lei), a iniciativa lota todos os meses o auditório do ministério com mães convocadas pelas Promotorias de Justiça de Defesa de Filiação (Profide).
Informadas pelos Correios, essas mulheres buscam dar aos seus filhos a oportunidade de ter na Certidão de Nascimento o nome de ambos os pais. Nesta edição do evento, alunos de 14 escolas do Cruzeiro, do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) e da Octogonal receberam a notificação para comparecer ao Ministério. Desde o início do programa, cerca de 5 mil crianças e adultos tiveram a paternidade reconhecida.
Ricardo fez questão de enfrentar 12 horas de ônibus de Monte Alegre (PI) para acompanhar a filha no processo. ;Acho importante ter pai. Ela me ligou avisando e eu vim;, explicou. Agora, ele deve ficar em Brasília até dezembro, tempo durante o qual pretende acompanhar os primeiros passos da menina. Quanto ao futuro da família e do relacionamento dos dois, o casal não se arrisca a dar previsões, mas Lucélia admite que a convocação foi uma bênção tanto para ela quanto para a filha. ;Fiquei muito feliz. Quando recebi a carta, pensei: ;Meu Deus, obrigada. Agora Ricardo vem para cá;.;
A coordenadora do PPLE, Maria Simone Magalhães Coelho, lamenta que nem todas as mães sejam como Lucélia e que algumas ignorem a convocação do Ministério Público, abrindo mão, portanto, dos direitos dos filhos. ;Muitas vezes, a mãe está com raiva do pai porque ele não quis registrar a criança ou assumiu o filho sem assumir o relacionamento com a mãe;, exemplificou Simone.
A pessoa que não tem a paternidade reconhecida não é impedida de exercer qualquer direito na vida civil, mas a promotora Leonora Brandão M. Passos Pinheiro, da Profide, explica que o maior prejuízo é social. ;Fazemos também um trabalho de conscientização da mãe e explicamos que o direito não é dela, é do filho. O objetivo não é só o nome na certidão, são os efeitos da aproximação entre pai e filho;, avaliou.
Direito garantido
A dona de casa Flávia*, 26 anos, fez questão de assegurar esse direito ao filho Mateus*. ;Vim porque futuramente ele vai me cobrar isso. Na escola ou quando ele for preencher uma ficha de emprego, em qualquer lugar, vão perguntar a ele quem é o pai;, ressaltou a mãe. Ela foi ao Ministério Público no aniversário de 4 meses do menino para entrar com o pedido de reconhecimento de paternidade acompanhada pelo ex-companheiro, com quem já tem outro filho, esse devidamente registrado. Atualmente com outra namorada, o rapaz se recusa a assumir o filho, mas Flávia garante que conseguirá provar o laço genético na justiça. ;Vamos pagar exame de DNA, mas estou esperançosa de que vai dar tudo certo. Ele é a cara do pai;, assegurou.
O Profide recebe mães, pais e até mesmo filhos que, depois de anos sem o nome completo da filiação na Certidão de Nascimento, procuram corrigir o erro. A promotoria ajuda até mesmo crianças cujos pais já faleceram, com o processo post mortem. Segundo os responsáveis pela iniciativa, não são raros os casos em que os pais reconhecem os filhos e aproveitam para pedir que o Ministério encontre o próprio pai deles. Caso a mãe ou o filho não saibam onde está o pai, é iniciado um trabalho investigativo, que procura encontrar a pessoa por registros no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou até mesmo por informações sobre antigos locais de trabalho do desaparecido.
Bruna* diz ter sido intimada a comparecer à audiência pública não pelo Ministério, mas pelo próprio filho. Luiz*, 17 anos, recebeu a carta do PPLE no colégio e pediu à mãe que finalmente completasse o campo reservado para o nome do pai na Certidão de Nascimento. ;É o sonho do meu filho ser reconhecido. Ele ficou muito feliz quando recebeu a carta, pois todos os anos o pai diz que vem registrá-lo, mas nem ao menos o conhece;, lamentou Bruna. Ela ressalta que ele assumiu o filho, mas nunca explicou por que não quis registrá-lo. A briga sobre a certidão do menino fez com que o casal se separasse quando ela ainda estava grávida de oito meses. O pai, que mora em Quixeré (CE), já garantiu a Bruna que vem a Brasília para registrar o filho e que vai, finalmente, conhecer o adolescente, que já faz planos de ingressar na faculdade. ;O difícil, que foi criá-lo, eu já passei. Se Deus existe, em dezembro ele terá o nome do pai nos papéis;, disse a mãe.
* Nomes fictícios
SAIBA MAIS
As mães podem buscar o reconhecimento da paternidade dos filhos por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Filiação (Profide) do Ministério Público. O processo é gratuito. Depois de ir à Profide, a mãe tem de comparecer ao cartório para declarar quem é o suposto pai. Caso ele assuma o filho, o Ministério Público pede ao juiz que mande uma averbação para o cartório. Dessa forma, são incluídos o nome do pai e dos avós paternos na Certidão de Nascimento, e, se a mãe e a pessoa reconhecida quiserem, o sobrenome. Quando o pai não reconhece o filho, a mãe pode pedir exame de DNA ou dar início a uma Ação de Investigação de Paternidade. Mais informações no Profide, pelo número 3343-9981.