A favelização das áreas comerciais do Plano Piloto cresce no mesmo ritmo com que empresários constroem puxadinhos sem nenhum tipo de padronização. Nas superquadras, criadas pelo urbanista Lucio Costa como modelo de liberdade e de acesso democrático, os pilotis são fechados por grades e cercas vivas. As extensas áreas verdes, que simbolizam a escala bucólica no projeto original do Plano Piloto, transformaram-se em estacionamentos ou em abrigos para barracas de comerciantes informais.
Todas essas agressões ao tombamento da cidade, que envergonham os brasilienses, podem virar também motivos para um grande vexame internacional. Dez anos depois da última missão realizada em Brasília, especialistas da Unesco vão voltar à capital federal para avaliar o estado de conservação do Plano Piloto, que é inscrito na lista do Patrimônio da Humanidade. Os prognósticos para a visita não são positivos: desde então, os governos que administraram a cidade ignoraram praticamente todas as recomendações apresentadas pela entidade em 2001. Pior: de lá para cá, os problemas só se agravaram.
Representantes do Comitê do Patrimônio Mundial se reuniram em junho, em Paris, para avaliar a situação dos bens inscritos na lista. Os especialistas discutiram o caso de Brasília, que, na opinião de técnicos que participaram da reunião, está em processo de desfiguração por causa da pressão do setor imobiliário e da especulação. A cidade não chegou a ser incluída na relação de patrimônio em risco, mas os participantes do encontro aprovaram o envio de uma missão à cidade para verificar de perto o que está acontecendo com o projeto de Lucio Costa.
Impactos negativos
Em 2001, depois da visita a Brasília, os especialistas da Unesco elaboraram um documento com um diagnóstico sobre o estado de conservação da área tombada. Os autores do relatório ; o urbanista holandês Herman Hooff e o arquiteto argentino Alfredo Conti ; alertaram para o risco de que as intervenções na cidade comprometam as características do projeto original. ;Algumas mudanças já tiveram impactos negativos e, se mais intervenções indesejáveis ocorrerem, o resultado poderia ser a perda das características marcantes que fazem de Brasília uma cidade única;, diz o relatório da dupla, apresentado ao governo brasileiro em 2001.
Os especialistas também fizeram uma série de recomendações, que foram ignoradas. Para a Unesco, era indispensável melhorar o transporte público da capital federal para reduzir o volume de carros em circulação na área tombada. Mas o que se vê nas ruas é uma frota velha e insuficiente para atender à demanda dos brasilienses. Com isso, o número de carros nas vias da cidade tombada cresce quase 10% ao ano. O relatório de 2001 também determinava que o governo tratasse como ;prioridade absoluta; a elaboração de um plano diretor para Brasília. Mas só agora, uma década após a última visita da Unesco, o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico começa a sair do papel.
Outras orientações da entidade ligada à Organização das Nações Unidades (ONU) foram ignoradas. O relatório de Hooff e Conti pedia que o governo brasileiro definisse ;regras rígidas para a construção de edifícios na margem do lago;. A realidade é bem diferente das recomendações apresentadas pela Unesco: as obras na beira do espelho d;água avançam com rapidez. Projetos para a construção de apart-hotéis são aprovados sob o amparo da lei, mas os imóveis com pequenas modificações, feitas geralmente depois da ocupação por moradores, transformam-se em apartamentos residenciais.
Quatro RAs
A área de proteção é delimitada a leste pela orla do Lago Paranoá, a oeste pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), ao sul pelo Córrego Vicente Pires e ao norte pelo Córrego Bananal. Possui
112.25 km;, é o mais extenso sítio urbano tombado do mundo e abrange quatro regiões administrativas do DF: Brasília, Cruzeiro, Sudoeste/Octogonal e Candangolândia.
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