Jornal Correio Braziliense

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Ansiosa por ampliar amizades do filho pequeno, mãe coloca anúncio

O melhor amigo de Gustavo Schroeder, 1 ano e 11 meses, é um jacaré de plástico, chamado carinhosamente de Jaca. Sem colegas da mesma idade, o garoto falante e cheio de energia passa a maior parte do tempo em brincadeiras solitárias ou em frente à televisão. Quase sempre tem apenas a companhia dos pais e de outros adultos da família. Preocupada com a solidão do filho único, sua mãe, a publicitária Bianca Schroeder, 25, decidiu procurar amigos para ele de maneira inusitada.

Espalhou nas quatro portarias do condomínio de prédios onde vive, na QI 25, Guará 2, o seguinte anúncio: ;Meu nome é Gustavo, tenho 1 ano e 11 meses e gostaria de fazer amiguinhos para brincar. Se quiser fazer parte da turma, procure a minha mãe, Bianca, na QI 25, Lote 5, Bloco C;;. Gustavo é sorridente. Gosta de jogar bola, mas sente falta de companheiros para se divertir na quadra que fica ao lado do bloco. Talvez continue assim por um bom tempo.

Ninguém procurou Bianca para falar sobre o assunto. O anúncio ficou exposto nas portarias e elevadores durante quatro dias, de sexta a segunda-feira da semana passada. Bianca teve essa ideia durante a leitura de uma série de livros sobre maternidade. ;Em um deles, havia a dica de criar um grupo de crianças na comunidade onde a família vive, para que elas pudessem se socializar. Aqui, não tem essa coisa de descer do prédio para socializar. Então, resolvi fazer o anúncio, mas não tive retorno;, contou Bianca.

A intenção era a de reunir colegas para brincar na rua ou em casa. ;Se alguém tivesse me procurado, poderíamos ter planejado encontros, cada dia na casa de uma família, para estimular a convivência. Era essa a sugestão;, lembrou a publicitária. Pela manhã, Gustavo fica na casa da avó paterna, no Guará. Ali também não há parquinhos ou amigos da mesma faixa etária.

Apoio
A preocupação de Bianca pode ser precipitada, de acordo com o psicólogo especialista em psicologia da saúde e de desenvolvimento Aderson Luiz Costa Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB). ;Com 1 ano e 11meses não se espera que uma criança tenha uma rede social de amigos muito significativa. Nessa idade, os pais devem ser eficientes no sentido de construir uma rede social de apoio à criança. Isso vem da escola, por exemplo;, explicou (veja Palavra de especialista).

Bianca pretende matricular o filho em uma creche no próximo ano. ;Mesmo assim, os amigos da escola aprendem as mesmas brincadeiras que ele, não acrescentam tanta novidade. Quero que o Gustavo se relacione com crianças de fora da creche para aprender coisas novas;, afirma. Há planos de construir um parquinho no condomínio para incentivar o convívio, segundo Bianca. ;Mas essa não é uma prioridade, porque há necessidades mais urgentes, aparentemente.;

Gustavo tem uma rotina parecida com a de qualquer criança de sua idade. Sempre sai para passear de manhã, depois almoça e dorme boa parte da tarde. No fim do dia, aproveita o carinho dos pais. Entre suas atividades preferidas, está a de ver televisão. ;Não quero que ele fique escravo da tevê, que seja uma dessas crianças que prefere isso a qualquer outra coisa;, lembra a mãe. Os pais improvisam atividades, como brincadeira com massinha e jogo de futebol dentro do apartamento.

Bianca foi criada na 309 Norte. Chegou a Brasília, vinda do Rio de Janeiro, com 3 anos. ;Naquele tempo, o Plano Piloto ainda não tinha tantos parquinhos. Mesmo assim, as crianças brincavam na rua. Eu comecei a descer para me juntar a elas quanto tinha 10 anos. Fiz amizades que duraram muito;, lembrou. A publicitária tem dois irmãos por parte de pai, ambos bem mais velhos. ;Cresci como filha única. Sempre fui muito sozinha. Eu era uma daquelas crianças criadas com Barbies no lugar de amigos. Ficava quietinha, com cara de paisagem. Não sei andar de bicicleta, não sei subir em árvore. Por isso a minha preocupação com o Gustavo;, justificou.

Palavra de especialista

Sobre o convívio

;Não ter amigos para brincar não é necessariamente um problema nessa faixa etária. Cabe aos pais procurar, dentro da própria família e entre os amigos, quem tenha filhos da mesma idade para disponibilizar esse apoio complementar. Não é um evento constrangedor nem danoso que ele não tenha amigos. A criança dessa idade precisa muito mais de pais afetivos e presentes do que de uma grande quantidade de amiguinhos para poder brincar. Para crianças mais velhas, entretanto, a presença de um grupo de amigos é fundamental. A ausência desse convívio pode trazer dificuldade de relacionamento, baixo nível de tolerância à frustração e dificuldade para lidar com situações de conflito ; como partilhar e escolher brinquedos em um grupo. Tudo depende da experiência dessa criança. A maior parte das afirmações é apenas crença.;

Aderson Luiz Costa Júnior,
psicólogo e professor da UnB