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'Ele destruiu tudo o que eu construí', diz pai de jovem morta por professor

É no meio da natureza, em um pedaço de terra da Comunidade Santa Cruz, em Formosa (GO), que o produtor rural Sinval Monteiro de Farias, 62 anos, vive há mais de uma década. O local fica a 100 quilômetros de Brasília. Analfabeto, ele deixou o sertão de Pombal (PB) em busca de uma vida melhor para a família e, ali, educou os filhos e sonhou com um futuro menos sofrido para os netos. Há seis dias, o homem de mãos calejadas tenta diminuir a dor de ter perdido a caçula, Suênia Sousa de Farias, 24 anos. A jovem queria ser delegada e era motivo de orgulho para Sinval.

Na última sexta-feira, a moça sorridente, de cabelos pretos e ondulados, perdeu a chance de fazer o que mais queria: defender as pessoas das injustiças. Em nome de um ciúme doentio, o professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues, 35 anos, matou-a com três tiros na última sexta-feira. ;O homem que ama uma mulher jamais engrossa a voz para ela, nunca dá um tapa ou empurrão. Isso foi covardia. Ele destruiu tudo o que eu construí e não sei como vai ser daqui para a frente. Só Deus para me dar conforto, mas preciso ser forte;, desabafou, em entrevista exclusiva ao Correio.

O trabalho no campo o ajuda a amenizar a dor da perda. O produtor rural acordou ontem às 5h e subiu no trator para preparar a terra, antes da chegada da chuva. ;Quando eu chego aqui (na roça), eu ocupo mais a minha mente, mas ela (Suênia) nunca vai sair de mim. Espero que nenhum pai passe pelo que eu estou passando;, emocionou-se.



Depois de dedicar a manhã ao arado da terra e de cuidar da plantação de chuchu, beterraba, abóbora, cenoura, repolho e milho, o senhor humilde, de barba fina, recebeu a reportagem vestido com chapéu de pano, botina, camisa e calça surradas. ;Olha, minha querida, me desculpe porque eu estar desse jeito. É que eu estava trabalhando... Não tenho estudo para usar as palavras, mas tudo o que eu mais quero é que a justiça seja feita;, disse.

O agricultor tentou ainda sensibilizar as autoridades para que não deixem o caso cair no esquecimento. ;Confio que o Ministério Público vai agir para impedir que ele (assassino) seja solto. As leis neste Brasil precisam mudar, ser mais severas. As nossas mulheres não podem continuar à mercê da violência;, acrescentou. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

A Suênia sempre quis ser delegada?
Sempre. Desde criança ela dizia isso. Eu a incentivei muito desde pequenininha também. Acho uma profissão muito bonita. Ela via as coisas acontecerem na televisão e comentava que queria lutar por justiça. O meu sonho era vê-la realizar o sonho dela. Agora, eu vou ver se termino de formar a Cilene.

E é do trabalho no campo que o senhor pagava a faculdade dela?
Graças a Deus. Acordo sempre às 5h e começo a trabalhar. Aqui, a gente planta de tudo. É chuchu, cenoura, abóbora cabotiá, milho, repolho; Vendo o que eu planto às segundas e às quintas-feiras na Ceasa (Central de Abastecimento), em Brasília. A gente colhe durante o dia, carrega o caminhão e viaja de noite para Brasília. Encosto na Ceasa no fim da noite e espero dar 5h para começar a vender. Não sei fazer outra coisa. A Suênia gostava de ir para lá. Ela começou vendendo lingerie para as clientes há uns 10 anos. Todo mundo gostava da minha filha.

E como era a sua filha?
Era a minha caçulinha, muito alegre e brincalhona. Nunca me deu preocupação com nada. Era muito estudiosa.

Como o senhor está lidando com a morte dela?
Quando eu chego aqui (na roça) eu ocupo mais a minha mente com o serviço. À noite, eu faço uma oração e converso com a minha companheira (Maria José de Sousa, 48 anos). Mas as atividades não diminuem o sofrimento. A minha filha nunca vai sair de mim. Espero que nenhum pai passe pelo que eu estou passando. Ele (Rendrik) destruiu tudo o que eu construí e não sei como vai ser daqui para a frente. Só Deus para me dar conforto, mas preciso ser forte.

O que o professor Rendrik Rodrigues sentia pela sua filha era amor?
Nunca. O homem que ama uma mulher jamais engrossa a voz para ela, não dá um tapa ou um empurrão sequer. O que ele fez foi maldade, covardia. Ele planejou tudo.

O senhor conseguiria perdoá-lo um dia?
Perdão? (silêncio). Não tenho estudo para usar as palavras, mas tudo o que eu mais quero é que a justiça seja feita. Confio que o Ministério Público vai agir para impedir que ele seja solto. As leis neste Brasil precisam mudar e ser mais severas. Nossas mulheres não podem continuar à mercê da violência.

Por que o senhor se mudou para Formosa?
Eu morava em Pombal, no sertão da Paraíba. Lá, eu comecei a tocar a boiada aos 5 anos, com o meu pai. Nunca tive o privilégio de conhecer a sala de aula. Aliás, para não dizer que eu não conheço, na época de política eu costumo pedir para os professores deixarem eu assistir um aula ou outra. Às vezes, eu também pego a tabuada e vou treinando um pouquinho. Como eu não tive o privilégio de estudar, o meu sonho era formar os meus filhos na faculdade. Por isso, eu resolvi vir para cá. Lá, eu não ia ter essa chance.

Quando vocês vieram para Formosa?
Vim para cá em 2000, com os meus filhos. Depois de dois anos que chegamos, a minha mulher descobriu que estava com câncer de mama. Deu um tempo depois, ela não aguentou e morreu. Foi quando tudo começou a ficar mais difícil, mas fiz questão de que todos os meus filhos fizessem o segundo grau. A mais velha (Cilene de Farias, 34 anos) saiu para estudar administração em Brasília, e a Suênia quis acompanhar e fazer direito.

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