Silenciosas e devastadoras, as doenças circulatórias são as principais causas de morte em hospitais do Distrito Federal. Dados do Ministério da Saúde revelam que 1.113 pessoas morreram em 2010 em decorrência de infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC), males frequentemente turbinados pela ação da perigosa hipertensão. Levando-se em conta apenas o ambiente hospitalar, a média é de três mortes por dia, ou uma a cada oito horas. O número de vítimas representa 23% de todas as mortes registradas nos centros de atendimento.
Ao longo do ano passado, 16.332 internações aconteceram em razão de complicações circulatórias e o Sistema Único de Saúde (SUS) desembolsou R$ 32,2 milhões para atender a esses pacientes no DF. O panorama para 2011 é ainda pior. Entre janeiro e julho, as doenças circulatórias já fizeram 756 vítimas, quase 10% a mais do que no mesmo período do ano passado. Apesar de o grupo mais atingido ser o de idosos entre 70 e 79 anos, cresceram 25% os casos fatais na faixa de 60 a 69 anos.
Há muitos fatores responsáveis pelo avanço de mortes por infartos e derrames no DF. Falta de estrutura do sistema de saúde, despreparo médico, informação insuficiente, predisposição genética e pacientes que não fazem o dever de casa são os principais itens dessa delicada equação. E o peso de cada um varia de caso em caso.
;A sociedade e o Estado têm de mudar de postura. Enquanto houver displicência por parte do paciente e problemas estruturais nos sistemas público e privado de saúde, não haverá diminuição de mortes. É inaceitável que tantas pessoas morram de complicações de doenças que podem ser tratadas;, avalia a coordenadora de Cardiologia da Secretaria de Saúde, Edna de Oliveira.
A hipertensão, o colesterol alto, a diabetes, o excesso de peso e o sedentarismo, além do tabagismo, são os grandes desafios à saúde do aparelho circulatório. As mulheres sofreram mais com as doenças no ano passado (veja arte ao lado). Além de ter maior expectativa de vida do que os homens, outra explicação é o fato de elas terem assumido, nas últimas décadas, hábitos anteriormente considerados masculinos. ;As mulheres passaram a trabalhar, comer fora de casa e também a beber e fumar mais;, afirma Edna. Ao contrário de 2010, de janeiro a julho deste ano morreram mais homens. Eles são 395 de um total de 756 mortes.
Consideradas doenças crônicas, todas elas são passíveis de controle. E, na avaliação dos especialistas, prevenir é melhor, mais barato e viável para o sistema de saúde do que tratar infartos e AVCs no hospital. Por isso, o governo federal decidiu subsidiar integralmente a medicação para diabetes e hipertensão. De acordo com dados do governo, cerca de 33 milhões de pessoas no Brasil sofrem de pressão alta e 7,5 milhões, de diabetes. Desde março, a retirada da medicação é gratuita em drogarias cadastradas no programa Farmácia Popular. No DF, a hipertensão afeta mais os homens: 29% da população masculina da capital sofrem de pressão alta, a maior taxa do país.
Descuido
O empresário Cleber de Souza Almeida, 38 anos, nunca deu muita importância aos avisos subentendidos nos poucos exames que fez na vida. Aos histórico familiar tampouco. A mãe dele, Marlene Roure, morreu aos 66 anos por não resistir a um segundo AVC. Antes disso, ela passara por quatro infartos. O pai, Paulo Pinheiro, 68 anos, sobreviveu a dois ataques do coração. No entanto, mesmo com a predisposição genética a acidentes cardiovasculares, Cleber não dava bola para a aferição de pressão nem para o colesterol alto. E o descuido teve um preço muito mais alto do que ele imaginava.
Era uma quarta-feira, 23 de janeiro de 2008, três dias antes do próprio casamento. O empresário resolveu ir ao hospital por causa de uma dor insistente que sentia no pescoço. Pensava ser um torcicolo. Além dessa dor, não sentia nada. Mas o médico pediu um eletrocardiograma e um exame de sangue. ;O senhor não está com torcicolo. O senhor está infartado;, disse-lhe o doutor.
Cleber pasmou. Foi encaminhado imediatamente ao Hospital de Base para fazer um cateterismo, mas relutou. ;O casamento estava todo organizado, vinha gente de fora. Pedi para me liberarem, eu casava e voltava;, lembra, bem-humorado. Não colou. No dia seguinte, foi operado. Em março, casou-se. O convite era uma ilustração dele saindo do hospital, indo ao encontro da noiva, Ana Alice Almeida. Na imagem, uma ambulância está atrás dele, de sobreaviso.
Por causa da deficiência cardíaca, ele teve problemas renais. Foram cinco cirurgias de cálculo renal em seis meses. Em agosto de 2009, quando terminou o tratamento renal, fez um novo cateterismo para investigar uma falta de ar intensa que sentira meses antes e para acompanhar a quantas batia o seu coração. ;Eu tinha infartado de novo;, conta. Com os episódios, lhe restaram apenas 24% da capacidade cardíaca. ;Atribuo os meus infartos ao meu colesterol. Se eu tivesse me tratado antes, poderia ter impedido que isso acontecesse;, admite.
Entre os dois infartos, o nascimento da filha, Sofia, o motivou a fazer de tudo para continuar vivo. ;Eu não quis fazer um filho para deixar os outros criarem. Se não fosse ela, não me cuidaria tanto;, afirma. Perdeu 11 quilos, saiu do sedentarismo e vendeu a oficina e o restaurante para levar uma vida menos estressante. Controla o colesterol e a pressão como manda a cartilha. A única paixão da qual não abriu mão foram as corridas de kart. ;A diferença é que agora não corro mais por competição.;