Enganar, omitir, induzir ao erro, causar constrangimento ou não entregar a garantia do produto, por exemplo, são crimes previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para cada prática ilícita como essas, também há uma pena definida, que vai de três meses a dois anos de prisão. No Distrito Federal, desde janeiro, 19 pessoas foram detidas por praticarem delitos contra o consumidor. O número corresponde a 79% de todos os registros de 2010, quando 24 pessoas acabaram encarceradas. No entanto, não há como saber se alguma delas passou mais de três horas atrás das grades, visto que todas as infrações previstas pelo CDC podem ser substituídas pelo pagamento de fiança, multas ou trabalhos sociais.
A delegada titular da Delegacia de Defesa do Consumidor (Decon), Suzana Orlandi, diz que apesar de não poder manter a prisão, o acusado necessariamente responde a um procedimento criminal na Justiça, o que pode comprometer seriamente a saúde da empresa. ;Tudo bem, o fornecedor não vai pegar prisão perpétua, mas ele vai ver as consequências na hora de tomar um crédito ou fazer uma compra. Ele fica com o nome sujo. Como vai conseguir funcionar assim?;, questiona Orlandi. Além disso, os crimes mais graves também estão previstos no Código Penal e, nesse, os infratores podem, sim, ser encarcerados (veja Para saber mais)
Prejuízo
A delegada acredita que, nos casos de flagrante, a marca passa a ser desacreditada. ;A gente entra em um mercado que está oferecendo uma geladeira inteira de produtos vencidos. Com isso, prendemos o gerente. Ainda que ele não fique na cadeia, a contrapropaganda é enorme;, diz. ;O que a empresa investiu durante um ano em publicidade eu acabei em 30 segundos. É o nome da loja que fica marcado;, afirma.
De acordo com Suzana Orlandi, os crimes mais comuns são: medicamentos fora do prazo ou sem autorização da Anvisa, compras feitas de particulares que anunciam na internet e não entregam o produto, além de estelionato ; quando o fornecedor não apenas deixou de cumprir o contrato, como jamais teve a pretensão de fazê-lo. ;Temos um caso de um homem no Guará que alugou uma loja de fachada para vender pacotes de viagem. Ele enganou 50 famílias vendendo trechos dentro do Brasil e para o exterior. A gente calcula que ele tenha conseguido de R$ 80 a R$ 90 mil;, conta. ;Esse está preso, foi estelionato, mas essas pessoas nunca mais verão esse dinheiro de volta. Ele não tem nenhum bem no nome e foi encontrado no Maranhão, após seguir com um carro alugado que ele também deixou todo destruído.;
Com a proximidade do fim do ano, novos mal-intencionados começam a preparar armadilhas nos mesmo moldes. Os cuidados para evitar passar por situações semelhantes são extremamente simples. Como verificar se todos os detalhes da prestação de serviço ou do produto comprado estão discriminados. Ainda que trate-se apenas de uma atividade simples, como a pintura da fachada de uma casa ou a entrega de alguns armários, é preciso ter tudo por escrito, mesmo que o termo seja feito à mão. Nesse documento deve constar o prazo para a conclusão, a maneira como o trabalho vai ser feito e qual será a punição caso a entrega não ocorra, uma espécie de multa. Se o contrato estiver pronto, a dica é ainda mais simples. Basta ler, atentamente, todas as cláusulas antes de assinar. Ter o contato, como telefone e endereço da empresa, também pode ajudar a localizar os responsáveis em caso de problemas.
De olho aberto
Suzana Orlandi diz que as pessoas também precisam se prevenir porque, de modo geral, são muito ingênuas. ;Não existe uma classe social mais vulnerável. Outro dia um homem de classe média apareceu aqui com um papel que mostrava apenas um pedido, não era contrato, para instalação dos vidros na casa dele. O gasto foi de R$ 32 mil e ele não tinha nada para comprovar.;
Situações semelhantes aparecem na delegacia todos os dias. Serviço de lanternagem, ao custo de R$ 2 mil, que não é feito; concessionária que vende veículo recuperado após perda total sem avisar o cliente; corretores que informam percentual de juros abaixo do que está no contrato e daí em diante. ;Basta ligar para o Procon, vir aqui na Decon, checar na internet ou pedir a orientação de um advogado que nada disso acontece;, completa a delegada. ;E se mesmo assim houver um problema, venha até aqui. Mesmo que não seja crime, a gente chama a outra parte e o problema pode até ser resolvido.;
Palavra de especialista
;Os crimes contra o consumidor são considerados de baixo potencial ofensivo. Ou seja, a lei permite que, dependendo da pena e da gravidade da situação, o próprio delegado pode arbitrar sobre a fiança. Assim, é possível responder em liberdade. Quando a pena mínima é inferior a dois anos, também é possível oferecer o sursis. Ou seja, o condenado paga por meio de prestação de serviços à comunidade ou pelo pagamento de cesta básica. Ele não vai para a cadeia, mas se compromete a se apresentar ao juiz com certa frequência. Se o processo for cumprido, ele fica até sem antecedentes criminais. O detalhe é que ele não pode usar a mesma benesse no futuro.;
Gunter Montanare Carmona, analista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Para saber mais
Apesar de o Código de Defesa do Consumidor não prever punições severas para quem infringir a Lei, no Código Penal constam as situações mais graves, como falsificação, apropriação indébita, estelionato e fraude, por exemplo. ;Eu não acho que seja necessário fazer alterações no CDC, afinal, quase todos os crimes também têm relação com o Código Penal. Ainda assim, uma reforma está por vir, apenas para enquadrar um problema atual que antes não estava previsto, que é o crime pela internet;, diz José Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec).
ESPAÇO DO CONSUMIDOR
Este espaço está aberto aos leitores para tirar dúvidas e apresentar o ponto de vista dos especialistas sobre casos reais. Participe, exponha suas queixas. Basta mandar um tuíte para @cbconsumidor ou acessar a página do Blog Direito do Consumidor, no site do Correio Braziliense, para enviar um e-mail. Lembre-se de incluir telefone de contato, idade e profissão.
Cartão cancelado sem autorização
O servidor público Nelson Borges, 41 anos, conta que tentou realizar uma compra pelo controle remoto e usou o cartão de crédito. Na hora de confirmar a operação, a operadora financeira não autorizou. ;Não gostei e liguei lá. Sabe o que eles fizeram? Cancelaram o meu cartão sem que eu tenha pedido. O problema é que antes de descobrir isso eu fui constrangido no posto de gasolina, porque o cartão só dava erro;, conta. ;Quando liguei na empresa, me disseram que tinham feito um novo. Esperei quase 20 dias para o cartão chegar. Minha dúvida é: posso entrar com uma ação por danos morais?;
Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Pelo Decreto n; 6.253, o consumidor tem o direito de ter a sua reclamação resolvida em cinco dias úteis. O cancelamento do serviço sem aviso prévio é prática abusiva (artigo 39 do CDC) e pode ser considerado uma prestação defeituosa do serviço (artigo 18 do CDC). Os danos eventualmente decorrentes desse vício são indenizáveis ao consumidor. Caso a soma do prejuízo seja de até 40 salários mínimos, poderá procurar o Juizado Especial Cível (JEC), sendo que, até 20 salários, não precisará do auxílio de um advogado.
Mercadorias conferidas na porta
O consultor de vendas Romeu de Freitas, 30 anos, quer saber se a prática comum em alguns atacadistas, de verificar as mercadorias dos clientes na saída dos estabelecimentos, não fere os direitos do consumidor. ;A compra está paga e o cliente é submetido a uma situação constrangedora, parece que estão colocando em dúvida a nossa honestidade;, reclama.
Guilherme Varella, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
A prática de verificar a mercadoria dos clientes, logo após o pagamento, suspeitando de sua conduta, vai contra a presunção de inocência que é princípio básico do Direito Penal. Todos são inocentes até que se prove o contrário. Além disso, esse tipo de verificação fere o princípio da boa fé e da confiança, que são os pilares do Código de Defesa do Consumidor, previstos no seu art. 4;, III. A análise das compras dos clientes deve se dar no momento do pagamento, no caixa. Feito o pagamento, o constrangimento do consumidor pode ser considerado prática abusiva.