Histórias de pessoas descontentes com os serviços prestados nos cemitérios do Distrito Federal são comuns e antigas. Há nove anos, a diarista Perina dos Santos, 44 anos, tenta entender o que levou seu filho de apenas 10 meses à morte. Ela conta que o menino apresentou febre e teve vômitos recorrentes. Internado no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), faleceu após uma semana. Os médicos alegaram que o bebê teve uma infecção crônica. O enterro foi feito no dia seguinte, mas a diarista, não satisfeita com o diagnóstico, pediu a exumação do corpo, realizada um mês depois.
De acordo com Perina, no dia marcado para retirar da cova os restos mortais do bebê, ela chegou atrasada ao cemitério de Planaltina e o procedimento já tinha sido executado. Para sua surpresa, a sepultura aberta era de outra pessoa. ;Eu questionei os peritos e o pessoal do cemitério, mas eles não me deram ouvidos. O menino que eles exumaram foi enterrado dois dias depois do meu filho. Eu disse que aquele não era meu filho, que iam fazer exame na criança errada, mas não adiantou. Ficou por isso mesmo e, até hoje, eu não sei do que meu neném faleceu;, revolta-se Perina.
No caso da família Sena, o trauma foi ainda maior. Em 2007, poucos dias antes de 2 de novembro ; data que marca o Dia de Finados ;, Élio e Patrícia decidiram se antecipar e foram visitar o túmulo do filho no cemitério de Taguatinga. Ficaram surpresos ao descobrirem que os restos mortais do menino não estavam mais na sepultura. O casal avisou a Polícia Civil e, em seguida, procurou a Câmara Legislativa. Foi a primeira das várias denúncias que contribuíram para a criação da CPI dos Ossos, cinco meses depois.
Na primeira inspeção dos parlamentares a um cemitério ; o escolhido foi o de Taguatinga ;, eles encontraram dois túmulos violados, além de um incinerador de caixões em condições precárias. Em outras duas visitas aos cemitérios de Sobradinho e do Plano Piloto, os integrantes da comissão também constataram irregularidades e flagraram até ossadas humanas. Jardineiros dos cemitérios denunciaram o enterro de vários corpos adultos em uma mesma cova no setor de indigentes. Até a atuação dos papas-defuntos e da ;máfia do branco; foi descoberta.
Interrupção
O trabalho estava gerando resultados positivos, até ser interrompido abruptamente pelos próprios parlamentares que faziam parte da comissão. Benício Tavares (PMDB), que presidia a CPI, Rogério Ulysses (PSB) e Júnior Brunelli (DEM) votaram pelo fim das investigações. Os três tiveram seus nomes envolvidos na Operação Caixa de Pandora. José Antônio Reguffe (PDT) e Érika Kokay (PT) optaram pela continuidade da apuração. ;A CPI cumpriu um importante papel de revelar para a sociedade as irregularidades que ocorriam há anos no mercado da morte de Brasília. Infelizmente, resolveram acabar com ela de uma hora para outra, o que me causou grande indignação. Não fosse por isso, poderíamos ter descoberto mais coisas;, afirma Reguffe.
Érika Kokay afirma ter a impressão de que nada mudou no ;mercado da morte; desde que os escândalos no setor vieram à tona. ;Fica a frustração porque tivemos poucos avanços. Minha avaliação é que pouco ou nada mudou de lá para cá. Brasília continua sendo o único lugar no Brasil onde só há cemitérios privados. Sem a livre concorrência, nunca vai haver interesse de baixar os preços. Existem elementos suficientes para o GDF romper o contrato com a Campo da Esperança, mas isso não ocorreu ainda;, diz a distrital.
Com a extinção da CPI, alguns pontos permanecem obscuros, como a falta de documentos que atestem quanto a concessionária Campo da Esperança repassa ao Governo do Distrito Federal. Pelo contrato firmado em 2002, a empresa deve entregar 5% dos recursos arrecadados ao governo, mas não há controle sobre a transação. A assessoria de comunicação da Campo da Esperança rebateu as acusações de preços abusivos com o argumento de que os serviços estão entre os mais baratos do Brasil e que não sofrem reajuste desde 2006.
Outra questão que ficou indefinida com o fim da CPI foi a situação das funerárias. O secretário-geral do sindicato que representa a categoria, Argi Aires, reclama que muitos empresários do ramo funcionam na ilegalidade. ;No início do ano, o GDF exigiu que as funerárias apresentassem vários documentos para continuarem funcionando. As entidades sérias providenciaram tudo conforme o pedido do GDF. Várias outras não prestaram contas ao governo e continuam atuando livremente. Não aconteceu nada. Muitas até fecharam e reabriram no mesmo endereço, mas com CNPJ diferente;, denuncia.
[SAIBAMAIS]Troca de favores
Investigações da Polícia Civil e da CPI dos Ossos apontaram, em 2008, que existia no DF a ;máfia do branco;, segundo a qual servidores de hospitais repassavam informações para funerárias em troca de comissões que podiam chegar a R$ 800. Em muitos casos, os chamados ;papas-defuntos; tomavam conhecimento da morte de alguém antes mesmo dos parentes.
Quanto custa
Preços dos serviços oferecidos nos cemitérios do Distrito Federal
Arrendamento por 10 anos: R$ 71
Arrendamento por 15 anos: R$ 108
Arrendamento por 20 anos: R$ 144
Castiçal: R$ 93
Insumação em cova de adulto: R$ 25
Insumação em cova de criança: R$ 12
Jazigos de uma gaveta: R$ 386
Jazigos de uma gaveta com cessão perpétua: R$ 1.102
Jazigos de duas gavetas: R$ 747
Jazigos com duas gavetas com cessão perpétua: R$ 1.456
Jazigos com três gavetas: R$ 1.081
Jazigos com três gavetas com cessão perpétua: R$ 1.797
Locação de capela para velório padrão: de R$ 56 a R$ 178
Locação de capela para velório simples: R$ 11
Locação de templo ecumênico: R$ 116
Manutenção de jazigo (opcional): R$ 334 (anual)
Placa de identificação de jazigos: R$ 170
Plaqueta de identificação do sepultado: R$ 108
Taxa de exumação: R$ 46
Carro elétrico: R$ 51
Toldo: R$ 30
Cadeiras: R$ 20