A vida de Rita Alves de Souza, 67 anos, não tem sido fácil. Nascida no sertão do Piauí, ela chegou a Brasília em 1973, com três crianças pequenas no colo e uma na barriga. Veio atrás do marido, estabelecido na cidade pouco tempo antes. No Distrito Federal, teve mais quatro filhos. Em pouco tempo, o homem a abandonou e Rita criou, sozinha, os oito filhos. Analfabeta, foi lavadeira por 21 anos para colocar comida em casa. Ela diz que sempre apitou as regras da família, mesmo quando casada. Separada, essa posição só foi reforçada. ;Hoje, não há mais homem que faça isso (mande em casa);, afirma a aposentada.
Como ela, há cada vez mais mulheres à frente de famílias de baixa renda nas 15 regiões administrativas do Distrito Federal. Elas lideram 31,8% dos 61.530 núcleos familiares cujos vencimentos não ultrapassam dois salários mínimos. A radiografia é do estudo Perfil da População de Baixa Renda do DF, desenvolvido pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). A casa de três cômodos que Rita divide com três netos e uma filha fica no Setor Oeste, no Gama. Justamente nessa cidade foi observada a maior incidência de mulheres responsáveis por domicílios. Elas são 42% dos chefes de família. O Itapoã é a cidade mais comandada por homens. Lá, 77,3% deles se consideram responsáveis pelas decisões.
O avanço feminino no comando dos lares, entretanto, não condiz com a evolução salarial do gênero. Se a média de vencimento dos homens é de R$ 715, as mulheres recebem R$ 511, 30% a menos. ;Mesmo havendo tendência de crescimento da mulher no papel de liderança das famílias, ainda existe essa luta no mercado de trabalho;, afirma o diretor de Gestão de Informações da Codeplan, Júlio Miragaya. As famílias chefiadas por mulheres também têm renda menor: R$ 944 contra R$ 1.142 em núcleos comandados por homens. A explicação, diz Ester Santos Cabral em seus comentários sobre o estudo, provavelmente está na alta concentração de mulheres sem emprego. Exatos 53% delas não trabalham.
Perda masculina
De acordo com a pesquisa, à medida que a população envelhece, os homens perdem espaço para as companheiras dentro de casa. ;A expectativa de vida das mulheres é maior e os homens estão mais sujeitos às causas externas de morte, como a violência;, explica a técnica responsável pela análise dos dados Ester Cabral. Se na faixa etária de 20 a 64 anos, os homens de baixa renda lideram a maioria das famílias, a partir de 65 anos o bastão passa para a mão das mulheres (veja arte). Como Rita, a maioria das chefes, 38,3%, é divorciada, viúva ou solteira. Mulheres que se declaram pardas (58%), a exemplo de Rita, são mais engajadas e estão no comando dos lares.
Para todas as regras, há exceções. Através de gerações, as mulheres da família de Kamilla Freitas, 22 anos, conquistaram a fama de mandonas. ;Minha avó e minha mãe mandam em casa. Eu também mando na minha;, garante. Todas as mulheres em questão vivem no Gama, a mais feminina das cidades pesquisadas. Casada há cinco anos com Anderson Wilton, 23, Kamilla controla os gastos domésticos e costuma ter a última palavra em quase tudo. Ela cuida da filha, Ana Beatriz, 1 ano e sete meses, e não trabalha. Anderson é caseiro autônomo, ou seja, não tem rendimento fixo. Em média, a família vive com R$ 700. O dinheiro vai todo para a mão de Kamilla, que paga as contas e faz as compras do mês. Se Anderson quer comprar alguma coisa, pede à mulher. Ela geralmente diz não. ;Ele gosta de coisa supérflua;, justifica. Ela nasceu no DF, como a minoria de 17,6% das responsáveis pelos domicílios. A maioria deles, 68%, é como Rita, originária do Nordeste.
Kamilla integra um grupo pequeno de 4,6 mil chefes de domicílios ; entre 61.530 ; que concluíram o ensino médio. Por sua vez, Rita faz parte dos 5,9% analfabetos. A maioria das famílias, quase 45%, tem as decisões tomadas por pessoas sem o ensino fudamental concluído. Apesar de todo estrato populacional de baixa renda ter índices ruins de escolaridades, os homens ainda apresentam um resultado pouco melhor do que o das mulheres. O percentual de homens sem nenhuma escolaridade chega a 5,1%, e há 293 indivíduos (0,7%) com nível superior completo. Mulheres com graduação superior somam 98 ou 0,5% das chefes de família.
Universo
O estudo pesquisou as características de 15 cidades com os menores rendimentos do DF: Gama, Brazlândia, Planaltina, Paranoá, Ceilândia, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Recanto das Emas, Riacho Fundo, Riacho Fundo II, Varjão, Estrutural, Sobradinho e Itapoã