Para tentar reverter a falta de interesse dos médicos pela rede pública, a Secretaria de Saúde busca soluções que vão desde aumento de salário à criação de contratos diferenciados para servidores das especialidades com maior deficit. O governo pretende enviar à Câmara Legislativa um projeto de lei que prevê a contratação temporária de médicos das áreas com maior carência. Eles ficariam, no máximo, um ano na rede pública, sem direito aos benefícios dos concursados, mas com um rendimento estimado em R$ 14 mil por mês, por 40 horas semanais de trabalho. Hoje, um médico aprovado em processo seletivo e com estabilidade ganha quase metade desse valor, cerca de R$ 7,5 mil.
O subsecretário de Atenção à Saúde, Ivan Castelli, reconhece a gravidade do problema e explica que a contratação temporária de profissionais é uma das saídas para o problema. ;Fizemos um investimento imenso para criar 30 vagas de UTI neonatal nos hospitais do Gama, de Sobradinho e da Asa Sul. Para colocar essas unidades em funcionamento, precisamos de, pelo menos, 42 neonatologistas. Mas, dos aprovados no último concurso, apenas um está em exercício. A secretaria está gastando muito com UTIs privadas, então, precisamos atrair esses profissionais;, exemplifica Castelli.
Ele não acredita que o salário diferenciado dos temporários possa causar uma evasão de concursados em busca de remuneração maior. ;Eles têm estabilidade, têm direito a 20 dias de férias a cada seis meses e cinco abonos por ano. A cada cinco anos, os médicos podem tirar três meses de licença. Os temporários não terão esses benefícios;, afirma.
A secretaria também estuda aumentar o rendimento inicial dos médicos e esse reajuste poderá ficar condicionado à exigência de dedicação exclusiva à rede pública. Hoje, como os salários são baixos em comparação aos pagos na rede particular, grande parte dos profissionais do sistema público faz plantão em hospitais privados para complementar a renda.
Sobre a falta de condições de trabalho nos postos de saúde e hospitais públicos, o subsecretário acredita que esse problema já foi contornado. ;Os médicos perceberam o esforço enorme que estamos fazendo para melhorar a saúde. Os hospitais passaram por reformas, compramos equipamentos e material hospitalar. O grande problema que precisamos resolver hoje é a questão salarial;, afirma Ivan Castelli.
O Sindicato dos Médicos do Distrito Federal é contra a contratação temporária de profissionais. Os representantes da categoria defendem um aumento significativo dos salários como forma de atrair servidores e mantê-los na rede pública. O presidente da entidade, Gutemberg Fialho, explica que o contrato temporário só será aceito como uma medida emergencial e concomitante à abertura de concursos públicos com maiores salários. ;É preciso pensar em uma política permanente e definitiva, o contrato temporário como medida isolada não vai resolver o problema. Ao contrário, só vai causar mais insatisfação;, critica Gutemberg.
Reajuste
O presidente do sindicato diz que a proposta dos médicos é um salário de R$ 9,1 mil para 20 horas de trabalho ; ou o dobro, R$ 18,2 mil para 40 horas semanais. A proposta já foi enviada ao governo e os profissionais de saúde vão se reunir na próxima semana para discutir detalhes da reformulação do Plano de Cargos e Salários da categoria. ;Enquanto não houver esse reajuste, ninguém vai querer trabalhar na rede e o governo não vai conseguir resolver os problemas de atendimento;, assegura Gutemberg Fialho. Os valores estabelecidos pelo sindicato para negociação fazem parte do piso proposto pela Federação Nacional dos Médicos.
Uma das áreas mais críticas da rede pública do DF ; e de todo o país ; é a clínica médica. Dos 60 convocados no último concurso, apenas 18 estão trabalhando nos hospitais públicos da cidade. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e diretor da Escola Paulista de Medicina, Antônio Carlos Lopes, diversos fatores explicam o desinteresse desses profissionais em trabalhar nos hospitais do governo. ;Normalmente, o clínico tem outra especialidade, como a cardiologia ou a dermatologia, que remuneram muito mais. Além disso, é preciso ter uma competência muito grande para atuar nessa área. Um clínico não faz apenas triagem, ele é um profissional que resolve pelo menos 70% dos casos, quando bem formado;, comenta Antônio Carlos.
Promessa de aumento
De acordo com a Secretaria de Saúde, a remuneração dos médicos vai subir a partir do mês que vem. Em outubro, serão incorporados benefícios previstos no Plano de Cargos e Salários da categoria, que vão elevar os vencimentos para R$ 9.873,24 ; no caso de profissionais que atuam 40 horas por semana na rede pública.