A disposição dos deputados em fazer média com autoridades, artistas, doutores, padres, pastores e chefes de Estado não é de hoje. Conceder títulos, comendas e honrarias é tradição desde a primeira legislatura e continua entre as proposições prediletas dos distritais que, apesar de lei aprovada por eles próprios, buscam brechas para evitar as amarras de regras criadas com o objetivo de disciplinar a distribuição de condecorações. Em junho, os deputados aprovaram o Projeto de Resolução n; 19 (PR 19) para normatizar os títulos de cidadão honorário. Promulgaram o regulamento com atraso regimental de 15 dias, mas antes disso houve tentativa frustrada de arquivá-lo. Diante da imposição de novos princípios, a Mesa Diretora resgatou um tipo de homenagem esquecido há 18 anos: as medalhas de comendador (leia reportagem abaixo).
Na Câmara Legislativa, oferecer medalhas tornou-se um meio de conquistar simpatizantes, o que no meio político pode se converter em votos. Mas se esse tipo de iniciativa amolece o coração de quem é homenageado, não é bem-visto entre os cidadãos comuns, sempre alertas aos exageros das condecorações e questionadores sobre a escala de prioridades dos parlamentares. Os dois lados desse mesmo tema talvez expliquem por que os distritais aprovaram o PR 19, mas dias depois tentaram derrubar nos bastidores a validade das regras.
Apresentado em 2003 pelo deputado Chico Leite (PT), o PR 19 cria regras que restringem a concessão do título de cidadão honorário. Segundo as normas, os distritais não podem mais oferecer homenagem a pessoas que ocupem cargos em comissão ou exerçam mandato eletivo. De acordo com esses critérios, então, não teria cabimento oferecer os títulos à presidente Dilma Rousseff, aos governadores de Goiás, Marconi Perillo, e de Pernambuco, Eduardo Campos, ao comandante da Polícia Militar, Roberto Rosback, ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e nem mesmo para o distrital Washington Mesquita (PSDB). Todos na fila de tramitação. Mas como essas condecorações foram propostas anteriormente à promulgação do projeto, o entendimento da Câmara é que essas homenagens poderão ser prestadas.
Depois de oito anos em tramitação, finalmente em 30 de junho, os deputados aprovaram a matéria em segundo turno. A primeira análise foi feita em 2008. Mas uma consulta técnica à Assessoria Legislativa, feita a pedido da Terceira Secretaria ; uma das que integra a Mesa Diretora da Câmara ;, apontou as ressalvas do comando da Casa com as novas regras. Sob ingerência do distrital Joe Valle (PSB), a Terceira Secretaria questionou se seria possível arquivar o projeto de resolução levando em conta os termos dos artigos 138 do Regimento Interno da Câmara Legislativa. O item trata da ;necessidade de arquivamento de proposições tramitando há mais de duas legislaturas.; (leia fac-símile)
O caso foi analisado e os dois consultores que assinam o parecer responderam que não havia essa possibilidade, pois o projeto já havia sido aprovado. ;Entendemos que tal providência deveria ter ocorrido no início da atual legislatura, não após a Mesa Diretora, a Comissão de Constituição e Justiça e o Plenário ignorarem tal lapso e aprovarem o processo integral, nos termos do substitutivo;, dizem os técnicos, em resposta à provocação da Terceira Secretaria.
Critérios
À frente da Terceira Secretaria, Joe Valle (PSB) afirma que os deputados têm consciência da necessidade de se criarem regras para a concessão dos títulos. Mas o distrital avalia que o projeto aprovado é muito rigoroso. ;Depois de analisado por vários deputados, chegou-se à conclusão de que as regras
eram excessivas. Criaram-se critérios muito além do que a Mesa entendia necessário. Aí em vez de curar, o remédio muito amargo matou o paciente;, avalia Joe. Ele afirma, no entanto, que é a favor de regulamentar o tema e informa que, desde o início da legislatura, só apresentou um título de cidadão honorário.
Sobre o questionamento feito à Assessoria Legislativa da Câmara que aborda a possibilidade de arquivamento do PR 19, o secretário-executivo da Terceira Secretaria, André Luiz Peres, respondeu de modo geral, pois afirmou não ter informações detalhadas sobre o caso em questão. ;Todo projeto que tramita na Casa deve ser estudado do ponto de vista da viabilidade técnica e constitucional. Os pedidos de consultorias são parte da rotina da Casa;, afirmou. O autor do projeto, Chico Leite (PT), entende que, sem critérios, o que deveria ser uma homenagem pode até desqualificar o beneficiário. ;Agora, sim, pode se falar em uma distinção;, avalia.