Jornal Correio Braziliense

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Água do Paranoá é colocada em risco por despejos de esgoto e lixo

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No início da década de 1990, o Lago Paranoá viveu o pior momento de sua história. O sufocamento das estações, incapazes de tratar o esgoto de uma população em crescimento vertiginoso, mudou o cenário bucólico do local, que passou a ter como principais características o mau cheiro, a fauna morta e a água intensamente poluída. Os níveis de poluição chegaram a tal ponto que aguapés tomaram conta do espelho de água, centenas de peixes mortos boiaram nas margens e boa parte do lago foi declarada imprópria para banho.

Hoje, o cenário é bem diferente. A despoluição teve impacto direto na qualidade da água, e já se cogita até mesmo captar os recursos para consumo humano. Mas, apesar dos esforços de regeneração ao longo dos últimos 13 anos, o espelho d;água não está livre de ameaças. O Paranoá ainda sofre com o lixo, o despejo clandestino de esgoto e o assoreamento. De acordo com especialistas, é preciso olhar com atenção para o lago.

Impedir o avanço do assoreamento dos rios que abastecem o Lago Paranoá será o principal desafio. O drama já assumiu enorme proporção para o Riacho Fundo e o Ribeirão do Bananal, dois dos principais braços do reservatório artificial. Juntos, eles perderam mais de 4km de extensão. Só no Riacho Fundo, a sedimentação comeu 62 metros de extensão de água por ano entre 1966 e 2009. O dado, que consta de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), mostra como a expansão urbana desenfreada ameaça os recursos hídricos.

A construção civil e obras de infraestrutura são as principais culpadas pela diminuição da vida útil dos leitos de água. O estudo destaca a proporcionalidade entre o crescimento urbano desordenado e o nível de devastação dos bens fluviais. A destruição gradual do Riacho Fundo é exemplo disso. ;O Distrito Federal cresceu mais pela parte sul, a exemplo de Águas Claras, sem planejamento. Isso causa grande impacto hidrológico, além da impermeabilização do solo;, explica o professor Henrique Roig, orientador do estudo desenvolvido pelo aluno de mestrado Paulo Henrique Menezes.

;O mais importante do padrão de ocupação do solo é quando as máquinas removem a terra. Quando começamos a construir, removemos a vegetação e o material fica inconsolidado, em morros de terra. O raciocínio é óbvio: a chuva leva embora a terra exposta para o rio. Isso é extremamente sensível no que se refere aos braços (que abastecem o lago);, ressalta Roig. O Bananal, por sua vez, será o provável destino de maior parte da terra e poeira resultante das obras no Noroeste. Às margens da ponte do Braguetto, máquinas e tratores trabalham para concluir a estrutura responsável pela drenagem das águas pluviais do novo bairro. O planejamento é correto, mas resolve apenas uma parte do problema. O perímetro do canteiro de obras está tomado pela terra vermelha do solo revolvido, que também se torna mais suscetível ao desgaste.

;É preciso criar barragens de contenção desse material e, claro, fazer manutenção desses espaços para impedir que a chuva leve isso para o rio;, reforça Jorge Werneck Lima, pesquisador da Embrapa Cerrado e presidente da Câmara Técnica do Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago Paranoá. Águas pluviais carregam para os leitos d;água não só terra, mas nutrientes, fertilizantes e lixo. Em diferentes escalas, todos contribuem para o chamado enriquecimento da água. Por isso, o crescimento de vegetação em áreas assoreadas costuma indicar poluição. Henrique Roig lembra que a zona assoreada do Riacho Fundo e do Bananal representa 5% da Bacia do Lago Paranoá e, por enquanto ; apenas por enquanto, ressalta o especialista ;, o lago ainda não sofreu os impactos. ;O lago é um agente passivo. Ele está ali para receber o que está acontecendo na bacia, tanto para o lado bom quanto para o ruim;, explica o professor.

Esgoto
As duas estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) existentes no lago trabalham hoje com folga. O problema são os despejos clandestinos de dejetos. Nove entre cada 10 galerias de água pluvial que desembocam no Paranoá estão contaminadas por esgoto. São ao todo 173 galerias, das quais 156 despejam esgoto irregularmente, segundo levantamento da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa). Um dos pontos, como o Correio revelou em 20 de agosto, está na UnB. Próximo ao Centro Olímpico da universidade, é possível perceber a alteração do odor e da coloração, além do óleo que escorre pela galeria do subterrâneo. De acordo com a Caesb, o problema ocorre há 10 anos. Há vazamentos em fossas da universidade e em tubulações de esgoto e águas pluviais que eram separadas por canaletas hoje rompidas.

Hoje, as duas estações de tratamento às margens do Lago Paranoá operam com folga. Quem garante é o superintendente de Operação e Esgoto da Caesb, Carlos Eduardo Pereira. ;A ETE Norte trabalha com 50% da capacidade. Se a população atendida dobrasse, ainda assim teríamos condição de trabalhar;, explica. A ETE Norte trata o esgoto da Asa Norte, Lago Norte, Varjão, Estrutural e Taquari e tem capacidade de neutralizar até mil litros de esgoto por segundo. Na ponta sul, o volume de esgoto tratado é maior. São 1,1 mil litros de esgoto processados por segundo. A capacidade máxima é de 1,5 mil litros por segundo.

O esgoto recebido passa não só pelo procedimento de remoção de matéria orgânica quanto de nutrientes ; elementos comprometedores da qualidade da água. ;É um sistema muito sofisticado. Por causa disso, a qualidade da água devolvida é boa. Hoje, 30% da água do Lago Paranoá vêm das estações;, informa o superintendente. No início da década de 1990, a rápida expansão populacional pressionou o sistema de tratamento. A incapacidade de atender a demanda resultou na pior crise ambiental já vivida pelo Paranoá. ;Nunca mais repetimos esse cenário. As estações foram ampliadas há menos de 20 anos e não precisarão crescer pelos próximos 15, 20 anos;, garante Pereira.